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16.2.02

No dia 15 de fevereiro de 1922, na abertura da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, há exatos 80 anos e um dia, o escritor maranhense José Pereira de Graça Aranha, subiu ao palco para ler o texto-manifesto de sua autoria, " A emoção estética na arte moderna", detonando todas numa brilhante defesa da galera modernista. Tudo a ver. Mandou beleza.

Thanks especiais ao diretor Mariozinho Telles que divulgou o texto, por e-mail, alertando os fazedores de arte diante da oportunidade para um debate "neste texto, encontram-se muitos conceitos determinantes do fazer artístico e que merecem especial atenção"


A EMOÇÃO ESTÉTICA NA ARTE MODERNA

Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje é uma aglomeração de " horrores". Aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas zombeteiros, são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida. Não está terminado o vosso espanto. Outros "horrores" vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários a arte ainda é o Belo. (...)

Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da Beleza. Os que imaginam o belo abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de entidades e conceitos estéticos sobre os quais não pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se interrogue a si mesmo e responda que é a beleza? Onde repousa o critério infalível do belo? A arte é independente deste preconceito. É outra maravilha que não é a beleza. É a realização da nossa integração no cosmos pelas emoções derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis sentimentos que nos vêm das formas, dos sons, das cores, dos tatos, dos sabores e nos levam à unidade suprema com o Todo Universal. Por ela sentimos o Universo, que a ciência decompõe e nos faz somente conhecer pelos seus fenômenos. Por que uma forma, uma linha, um som, uma cor nos comovem, nos exaltam e transportam ao universal? Eis o mistério da arte, insolúvel em todos os tempos, porque a arte é eterna e o homem é por excelência o animal artista. O sentimento religioso pode ser transmudado, mas o senso estético permanece inextinguível, como o Amor, seu irmão imortal. (...)

E eis chegado o grande enigma que é o de precisar as origens da sensibilidade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo. É uma resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do tempo há quase dois séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.(...)

Desde Rousseau o indivíduo é a base da estrutura social. (..)O individualismo freme na revolução francesa e mais tarde no romantismo e na revolução social de 1848, mas a sua libertação não é definitiva. Esta só veio quando o darwinismo triunfante desencadeou o espírito humano das suas pretendidas origens divinas e revelou o fundo da natureza e as suas tramas inexoráveis. O subjetivismo mais livre e desencantado germinou em tudo.(...) É toda a magia interior do espírito que se traduz na poesia, na música e nas artes plásticas. Cada um se julga livre de revelar a natureza segundo o próprio sentimento libertado. Cada um é livre de criar e manifestar o seu sonho, a sua fantasia íntima desencadeada de toda a regra, de toda a sanção. (...) O gênio se manifestará livremente, e esta independência é uma magnífica fatalidade e contra ela não prevalecerão as academias, as escolas, as arbitrárias regras do nefando bom gosto, e do infecundo bom-senso.

Destes, libertados da tristeza, do lirismo e do formalismo, temos aqui uma plêiade. Basta que um deles cante, será uma poesia estranha, nova, alada e que se faz música para ser mis poesia. De dois deles, nesta promissora noite, ouvireis as derradeiras 'imaginações'. Um é GUILHERME DE ALMEIDA, o poeta de ' Messidor", cujo lirismo se distila sutil e fresco de uma longínqua e vaga nostalgia de amor, de sonho e de esperança, e que, sorrindo, se evola da longa e doce tristeza para nos dar nas Canções Gregas a magia de uma poesia mais livre do que a Arte. O outro é o meu RONALD DE CARVALHO, o poeta da epopéia da 'Luz Gloriosa' em que todo o dinamismo brasileiro se manifesta em uma fantasia de cores, de sons e de formas vivas e ardentes, maravilhoso jogo de sol que se torna poesia! (...) A remodelação estética do Brasil, iniciada na música de VILLA-LOBOS, na escultura de BRECHERET, na pintura de DI CAVALCANTIi, ANITA MALFATI, VICENTE DO REGO MONTEIRO, ZINA AITA, e na jovem e ousada poesia, será a libertação da arte dos perigos que a ameaçam do inoportuno arcadismo, do academismo e do priovincialismo. (...)

Ignoro como justificar a função social da Academia. O que se pode afirmar para condená-la é que ela suscita o estilo acadêmico, constrange a livre inspiração, refreia o jovem e árdego talento que deixa de ser independente para se vazar no molde da Academia. (...) Ah! Se os novos escritores não pensassem na Academia, se eles por sua vez a matassem em suas almas, que descortino imenso para o magnífico surto do gênio, enfim liberto de mais esse terror. Esse 'academismo' não é só dominante na literatura. Também se estende às artes plásticas e à música. Por ele tudo o que a nossa vida oferece de enorme, de esplêndido, de imortal, se torna medíocre e triste.
(...)
Da libertação do nosso espírito sairá a arte vitoriosa. E os primeiros anúncios da nossa esperança são os que oferecemos aqui à vossa curiosidade. São estas pinturas extravagantes, estas esculturas absurdas, esta música alucinada, esta poesia aérea e desarticulada. Maravilhosa aurora!
(...)
O que hoje fixamos não é a renascença de uma arte que não existe. É o próprio comovente nascimento da arte no Brasil, e, como não temos felizmente a pérfida sombra do passado para matar a germinação, tudo promete uma admirável 'florada' artística. E, libertos de todas as restrições, realizaremos na arte o Universo. A vida será, enfim, vivida na sua profunda realidade estética. O próprio Amor é uma função da arte, porque realiza a unidade integral do Todo infinito pela magia das formas do ser amado. No universalismo da arte estão a sua força e a sua eternidade.(..). Que a arte seja fiel a si mesma, renuncie ao particular e faça cessar por instantes a dolorosa tragédia do espírito humano desvairado no grande exílio da separação do Todo, e nos transporte pelos sentimentos vagos das formas, das cores, dos sons, dos tatos e dos sabores à nossa gloriosa fusão no Universo.

(Conferência com que GRAÇA ARANHA inaugurou a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo, em 15 de fevereiro de 1922. - "Espírito Moderno". São Paulo, Cia. Gráfica Editora Monteiro Lobato. 1925.)
"Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro" Gilberto Mendonça Telles. Rio, Ed. Vozes. 1973.

Em tempo: fiz uma compliação do texto original (o recebido lá do Forum de Teatro), mas ressaltei o essencial. Sorry, não teve outro jeito.


















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