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26.5.02

HAMLET de Brook vem ao Brasil

Reportagem de Alberto Guzik - Agencia Estado - 26/maio/2002.

Companhia do diretor inglês, um dos principais nomes do teatro do século 20, encenará espetáculo em São Paulo e no Rio, em junho

São Paulo - Uma das mais importantes obras de um dos supremos mestres do teatro contemporâneo chegará ao Brasil em três semanas. La Tragédie d´Hamlet, de William Shakespeare, dirigida por Peter Brook, vai apresentar-se em São Paulo e no Rio. De 13 a 16 de junho, no Teatro Sesc Vila Mariana. E de 20 a 22, no Teatro Carlos Gomes, na capital carioca. La Tragédie d´Hamlet será mostrado aqui em versão francesa, com legendas em português. Recém-estreado, o espetáculo iniciou carreira no dia 5 em Zurique, está agora em Viena e em seguida viajará para o Brasil. A vinda da companhia de Brook, sediada em Paris, foi possibilitada pelo Sesc de São Paulo e pela carioca RioArte. Sem o patrocínio dessas entidades, "não haveria a menor possibilidade de vermos esse Hamlet", afirma o produtor e diretor gaúcho Luciano Alabarse, responsável pelo sucesso das negociações que concretizaram a temporada da criação de Brook no Brasil.

Com elenco multirracial integrado por Emile Abossolo-Mbo, Lilo Baur, Rachid Djaïdani, Sotigui Kouyaté, Bruce Myers, William Nadylam, Véronique Sacri e Antonin Stably, esta Tragédie d´Hamlet retoma a produção inglesa que Brook fez do mesmo texto, com atuação elogiadíssima de Adrien Lester (que esteve no Brasil com a companhia Cheek by Jowl).

Estreado em 2000, Hamlet foi saudado por alguns críticos como uma espécie de ritual de passagem do encenador, sua cerimônia de fechamento do século e do milênio. O espetáculo que veremos, com 2 horas e 25 minutos de duração, é uma produção da CICT/Théâtre des Bouffes du Nord. Esse é o teatro ocupado por Brook desde 1974, quando o encenador inglês, já então considerado um dos maiores do século 20, trocou Londres por Paris, criou um projeto de investigação teatral e deu início a nova fase em sua carreira.

Sem limites - Até então, Brook já havia dirigido dezenas de montagens que fizeram época. Filho de russos, nascido na Inglaterra em 1925, Brook é figura de proa de uma geração que expandiu até a radicalidade os limites do espetáculo teatral. Para citar montagens suas que fizeram história, basta lembrar duas da fase londrina: Marat-Sade (1964), texto de Peter Weiss em que o diretor testou com sucesso idéias do "teatro da crueldade", do francês Antonin Artaud, e Sonho de uma Noite de Verão (1970), comédia de William Shakespeare na qual Brook fundiu o teatro com artes circenses, dando início a uma tendência cujos desdobramentos até hoje estamos testemunhando.

Na fase parisiense, criou produções que deixaram evidentes as novas fronteiras que explorava, transitando pela simplicidade, pelo foco absoluto no ator, e pela multirracialidade dos elencos. Mahabharata, Os Iks, O Homem Que, O Terno, A Tempestade estão entre essas realizações. Autor de vários filmes, entre eles Encontros com Homens Notáveis, O Senhor das Moscas, Mahabharata e Rei Lear, famoso também como diretor de óperas, artista admirado por atores referenciais do porte do japonês Yoshi Oida, Brook é ainda escritor, e registrou suas reflexões teatrais em O Teatro e Seu Espaço, O Ponto de Mudança, A Porta Aberta e Fios do Tempo, todos traduzidos no Brasil.

Esta é a segunda criação de Brook que Luciano Alabarse e sua empresa, a Mais Produções Artísticas, trazem ao Brasil. Há dois anos ele conseguiu levar, apenas para Porto Alegre, O Terno. Foi um feito considerável, que atraiu a atenção de toda a imprensa brasileira. Muita gente tentou trazer trabalhos de Brook para cá ao longo das últimas décadas. Uma das pessoas que mais lutaram para isso foi a empresária Ruth Escobar. Chegou a organizar a vinda de Brook em pessoa ao Brasil, há duas décadas, mas não conseguiu fazer com que uma das encenações do artista fosse vista aqui. O sucesso da empreitada de Alabarse deve ser creditado à boa agenda que criou trabalhando com a produção cultural, e especialmente teatral, no Rio Grande do Sul, onde dirigiu por vários anos o festival internacional Porto Alegre em Cena.

"Conheço a produtora de Brook", diz ele. "Chama-se Clara Bauer, e é argentina." Esse contato tornou menos complicadas as negociações com a companhia tanto no caso de O Terno, quanto agora, com Hamlet. "Depois que ela foi trabalhar com Brook", acrescenta Alabarse, "ficou mais fácil conversar com sua equipe." Segundo o produtor brasileiro, os integrantes da trupe de Brook "são tranqüilos e obsessivos. Todos educadíssimos, falam baixo, são muito gentis, têm uma aura zen-budista. Mas demonstram, sem exceção, uma obsessão magnífica pelo trabalho. São profissionais de altíssimo nível, sem qualquer dúvida". Há evidente rigor nas linhas pelas quais se pauta a equipe brookiana. Requerem da imprensa, por exemplo, que noticie os nomes dos atores por ordem alfabética de sobrenomes. Não há estrelas na turma.

Várias faces- A informação oficial é de que Peter Brook não acompanhará sua companhia na viagem ao Brasil. Mas Alabarse pensa que talvez isso possa mudar. "Ele tem muita vontade de voltar para cá, e nos últimos dias surgiu um sinal de que talvez venha com o grupo. Mas não há nada de certo nisso. Até onde sei, Brook não virá ao Brasil", diz. Esta não é a primeira vez que Brook monta Hamlet. Para ele, a peça permite uma redescoberta constante. "São facetas infinitas, como uma bola de cristal a girar no ar, mostrando a cada instante uma nova possibilidade", afirmou em entrevistas à imprensa européia.

Embora Porto Alegre tenha sido a primeira e até agora única cidade brasileira a ver uma produção de Brook, pois O Terno não passou por São Paulo nem pelo Rio, desta vez a capital gaúcha não receberá Hamlet. É uma produção cara, afirma Alabarse, com 18 pessoas na equipe, entre técnicos e artistas. E infelizmente não vamos poder mostrá-la em Porto Alegre por causa da questão financeira, mesmo. Sem patrocínio é impossível. Por isso, quero ressaltar o papel do Sesc e da RioArte, que estão dando esse presente ao público brasileiro.



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