Seguidores desse blog

22.6.02

Bouffonneries à cause d' Hamlet do Peter Brook - ou 5 hs. na fila do Tetro Carlos Gomes

I. Saí de casa antes do meio dia, mas peguei um transito brabo do final do jôgo. Entrei na rua do Carlos Gomes, e já tinha uma fila respeitável. Estacionei o Abelardo ali mesmo, e fui pra fila às 12,40hs. E nisso, atrás estacionam vários outros. De repente, sumiram os carros, e só dava o Abelardo estacionado e um caminhão descarregando material lá na frente. E nisso vêm passando alguns PMS apressados, e eu naquela saí da fila e tratei de ir tirar o carro dali, e com o apoio da galera da fila em coro:" Vai, vai estacionar que guardamos o lugar". Saí batida, faltavam vinte minutos para abrir a bilheteria. Rápida pesquisa nas cercanias e descobri por pura sorte uma garagem que não precisava deixar a chave do carro.


II. Às 13,30 hs., antes de abrir a bilheteria, um simpático e educado jovem percorria a fila fazendo anotações. Pensei que fosse um jornalista, mas quando chegou perto soube que ele estava anotando os nomes das pessoas, e a ordem numérica da fila. Fui o número 68. Como seriam vendidos dois ingressos por pessoa, e corria o boato que tinha só uns duzentos, o meu estava garantido. Logo depois disso, vêm mais cinco ou seis PMS novamente correndo em direção aos lados do BNH, e comenta-se na fila que estava havendo uma confusão ali perto na Petrobras por causa da greve dos funcionários.


III. Mais ou menos às 14,30 hs. abriu a bilheteria, e a fila começou a andar. Nesse momento, entrou em cena um guarda da PM que interrompeu a fila, e abriu uma clareira em frente à calçada da Relojoaria Tupy. Eu fiquei na ponta da fila em frente a uma papelaria, parada até a ordem do PM que liberava de três em três para a outra ponta da fila. E, de repente, eu ví sair de dentro da Relojoaria Tupy uma senhora de cabelos brancos, muito elegante na sua blusa de renda branca e saia preta longa, carregando uma cadeira para sentar na calçada com toda a pompa e circunstância, e ficar observando como uma rainha sentada no seu trono, o movimento da fila. O pessoal lá do final da fila, vendo aquela movimentação, achou que tinham acabado os ingressos. Aí o PM explicava que estava atendendo o pedido da dona da Relojoaria Tupy para a fila não parar em frente à loja, atrapalhando os clientes. Quando ele chegou perto lí a sua identificação: VIEIRA. Um personagem importantíssimo no desenrolar das cenas seguintes: o Guarda Vieira.


IV. A fila parou de andar, passando alguns minutos das 15 hs. e a galera começou a se impacientar. Uma atriz atrás de mim, diz para o Guarda Vieira que passava naquele momento: " Olha aí Seu Guarda, daqui a pouco esse povo vai ficar agressivo". Ao que ele responde provocador: "A Polícia também pode ficar agressiva". Foi a deixa para esta escriba retrucar: "O papel da Polícia é o de conter a agressividade e não ser agressiva". Dei esse texto, olhando dentro do ôlho dele, que me olhou fundo, não falou nada, mas a sua expressão corporal deu o texto: "Mandei mal, não?". A atriz, esperta, sugere a ele procurar alguém da produção para vir dar uma satisfação para o povo. Ele concordou prontamente, e somem os dois. Volta a atriz dizendo que dali a pouco viria alguém da produção dar explicações.


V. Às 15,30hs mais ou menos entra em cena, no alto das escadarias da porta principal, acompanhado do Guarda Vieira, agora portando uns óculos pretos estilo punk, alguém que se apresentou "Sou da produção do espetáculo", ( leia-se o diretor teatral Luiz Fernando Lobo ) e pede um pouco de paciência que o atraso se devia a mais de duzentos ingressos que estão vindo on-line, da RIOARTE. A pergunta estava no ar: como a RIOARTE anuncia pela imprensa, e na segunda-feira ainda não estão disponíveis todos os ingressos na bilheteria. Um distinto senhor de cabelos brancos, atrás de nós, comentava: É normal isso, hoje é tudo via Internet. Nessa hora, eu avistei lá em cima nas escadarias, o cambista que me vendeu o ingresso na quinta-feira passada. Após as explicações da "produção do espetáculo", ele desce as escadas e vem conversar com mais cinco sorridentes colegas cuja expressão corporal dos pés à cabeça mostrava uma alegria e felicidade inusitadas, constrastando com a nossa, numa fila há quasi quatro horas, e aquelas alturas, cansados, caidos e angustiados .


VI. Quasi às 16 hs. a fila começa a andar. Gritos de alegria e aplausos, mas durou pouco essa euforia, dali há uns 15 minutos, a fila parou. Tinham acabado os ingressos, diziam alguns que no número 29, outros, que no número 45. Desta vez eu ja estava em frente ao T. C. Gomes. A estas alturas, a galera estava mais do que impaciente. E o pessoal que estava na fila lá atrás começa a vir pra frente do teatro, foi quando veio um pessoal lá da Angel e uma menina começa a fazer uns movimentos estranhos com o corpo, e a leitura corporal foi ficando clara: ela expressava com o corpo o seu descontentamento. E pela segunda vez, passeia pela fila uma simpática senhora dizendo baixinho: se não quiser ficar na fila eu tenho ingressos prá vender.


VII. Mais ou menos 16,30 hs, volta à cena o Guarda Vieira, acompanhado da "produção do espetáculo" que desta vez dava outra versão para os fatos: está havendo um problema técnico, e só quem pode resolver é um ator de Peter Brook que está chegando de São Paulo para liberar uma parte da platéia -- as três primeiras filas para vendermos ao público. Mandou mal. A galera começa a cobrar a informação anterior sobre os duzentos ingressos que estariam chegando on-line e os ânimos se exaltaram. E o Guarda Vieira, levanta os braços e faz gestos pedindo calma. Aquele distinto senhor agora mudando de idéia, diz: É tudo 171. A partir daí, as filas praticamente inexistiam, e muitos debandavam. Outros cansados, com fome, sentados nas escadarias, (nunca comi com tanto gôsto aqueles biscoitos de polvilho Globo) acompanhado de uma Coca-Cola que uma amiga trouxe do bar em frente, onde uma menina faminta, ousou comer um pastel.


VIII - Às 17hs. o caos era completo,e o pessoal das filas de trás vinha pra frente, eesta vez ,furando a fila, e corriam boatos os mais inusitados, desde que os ingressos tinham acabado até outros bem malucos. Alguém gritava nas escadarias em frente à bilheteria (as duas bilheteiras estavam sumidas): Chamem o Vieira para ligar para RIOARTE. Cadê o Vieira?. A estas alturas até o Guarda Vieira também tinha sumido. Alguém sugeriu ligar para a imprensa e eu consegui com um amigo, o telefone da Geral de OGlobo, e uma atriz amiga nossa foi ligar, mas não conseguiu, estava sempre ocupado. E nessa hora, eu agradecia aos deuses do teatro pelo ingresso comprado com o cambista. E teve até um amigo meu querendo saber se eu tinha o telefone desse cambista, porque ele não estava aguentando mais ficar na fila.


IX - Passando uns dez minutos das 17 hs. aparece novamente nas escadarias , "a produção do espetáculo", e desta vez o Guarda Vieira estava ausente da cena. E a explição era nestes termos Não é culpa da RIOARTE, não é culpa do Teatro Carlos Gomes. A culpa é da produção do Peter Brook. Estamos entrando em contato com eles para liberar a venda de ingressos para o ensaio geral da quarta-feira.Como das outras vezes, ele não sabia responder quando perguntado, a que horas voltariam a venda dos ingressos. Foi interrompido nas suas explicações, por alguém que gritou um sonoro palavrão, e outros começaram a gritar, pedindo uma senha para voltarmos no outro dia. A solução mais sensata, e mais uma vez "a produção do espetáculo" faz ouvidos de mercador. Vaias seguidas de outros palavrões, ao que a "produção do espetáculo" revida ameaçando fechar o teatro. Para quê? Se ele não sai de cena rápido, a sua integridade física correria altos perigos. Nesse momento, entraram em cena seis PMs nada amistosos, e ficaram ali no saguão, á espreita. E o Guarda Vieira? Era a pergunta que estava no ar. A estas alturas, em movimento contínuo passava pela frente do Carlos Gomes, aqueles que cansados e desesperançados desistiram da empreitada.


X - Às 17,20hs. as bilheteiras já podiam ser vistas na bilheteria, e a galera que estava deitada ou sentada nas escadarias corre para os seus respectivos lugares na fila, e recomeçam a venda dos ingressos. Uma ligeira confusão, logo desfeita porque os ingressos eram vendidos pela ordem numérica e pelo nome com a apresentação da carteira de identidade. E às 17,35 hs eu estava na posse dos meus dois ingressos.


PS. - Soube hoje (terça-feira) na aula da Angel que os cambistas estavam oferecendo ingressos a sessenta reais, no barato, quando acabaram as vendas na bilheteria, e ameaçando cobrar cem reais na estréia, e que houve um tumulto as sete horas da noite. O povo que não conseguiu comprar ingresso, queria derrubar as portas do Carlos Gomes, e que a PM conseguiu controlar a situação.




Nenhum comentário: