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14.6.03



A ousadia de expor a essência do dialógo
'Prêt-à-Porter 5' reflete sobre como romper a incomunicabilidade e chegar ao
outro


MARIANGELA ALVES DE LIMA
Especial para o Estado

Na quinta rodada de apresentações públicas dos exercícios para atores do
Centro de Pesquisa Teatral do Sesc, a postura pedagógica do núcleo se
reafirma nos mesmos termos. Para poder interpretar é preciso que o ator
domine o mecanismo de construção da obra dramática com os seus problemas de estrutura, de organização verbal, de disposição temporal e espacial. Ao
mesmo tempo em que se instrumentalizam para integrar elencos de grandes
espetáculos, os atores exercitam internamente o mecanismo de construção de
peças. A dramaturgia criada pelos intérpretes é assim um primeiro passo para
o resgate do lugar central que o ator, de acordo com a filosofia do diretor
Antunes Filho, deve desempenhar na construção do espetáculo. O ator
virtuose, aquele que expressa com habilidade o desígnio alheio, seja o do
diretor ou o do dramaturgo, não poderia corresponder às exigências maiores
de uma obra de arte coletiva. Com esse objetivo em vista, os exercícios
apresentados são resultado do trabalho dos intérpretes para forjar
personagens e travar o primeiro embate que, em uma perspectiva clássica, dá
origem à criação dramatúrgica.

Tal como nas versões anteriores, o atrativo peculiar dessa comunicação
pública de um método de aprendizagem é a ascese da encenação que dispensa os recursos cenográficos, a iluminação matizada e os diversionismos que
permitem a fuga para outros tempos e espaços imaginários. As três histórias
são só isso: narrativas concentradas em um presente cênico, circunscritas
pelo embate de duas personagens à procura de um contato eficaz. Três peças
curtas, apresentadas em seqüência, se referem a uma única situação em que
uma das figuras em cena procura eludir a solidão através de uma tentativa
dialógica. O que interessa mais nessas cenas não é, portanto, o núcleo
temático, que se repropõe de um modo semelhante nas diferentes histórias,
mas a densidade dos confrontos e a pureza cênica com que se apresentam. Uma
vez mais os freqüentadores da série de exercícios apresentada pelo centro de
pesquisas silenciam sob o magnetismo da representação densa, feita em vozes
que não se exaltam, restritas a um espaço diminuto e, ainda assim, capazes
de criar no seu entorno uma concentrada expectativa.

É uma expectativa que não se apazigua no tempo da representação. Toda a
tensão projetada nas narrativas se encaminha para uma faísca de interação,
um breve momento em que se rompe o abismo da solidão sem que se possa saber das conseqüências desse contato momentâneo. O esforço repetido, o malogro do diálogo, as fugas intermediárias para o território defendido dos hábitos constituem a maior parte da matéria dramática e funcionam como elemento de propulsão das cenas. Em grande parte o inatingível, aquilo que não se consegue apesar da vontade e da ação, constitui a ferramenta expressiva que
substitui a peripécia da organização clássica do drama. Nas três narrativas
há um ritmo polarizado: alguém que fala muito enquanto outra figura, no seu
resistente mutismo, parece obstruir ou neutralizar o fluxo do entendimento.

Como todos os artistas que refletem sobre a sua vocação e o seu ofício, os
intérpretes do CPT exprimem, pela constância com que se referem ao assunto,
a preocupação com a eficácia dos recursos do teatro para romper a
incomunicabilidade e chegar ao outro. E o público é, no sentido figurado, a
alteridade radical. Há, assim, um componente metafórico que se desprende do
conjunto de cenas representadas desde o primeiro Prêt-à-Porter até este, 5.

Não basta ao intérprete equipar-se tecnicamente, mas é preciso deslindar
internamente, no âmbito da personalidade, o nó da essência dialógica. Em
resumo, na formação do intérprete não são suficientes a competência técnica
e intelectual para a expressão. O alvo, como em toda a relação interpessoal,
é a interação eficaz que produz mutações simultâneas no artista e no
público. É o caráter transitivo da arte do teatro que parece assombrar os
participantes desse grupo de pesquisa. Entreter ou mesmo esclarecer são, ao
que parece, objetivos desdenhados por esse propósito essencialista.

Por ter a ousadia de expor, com franqueza e de modo ascético esse âmago
angustiado que afeta toda a aspiração ao diálogo, as criações dos atores do
CPT provocam também a incômoda sensação de que nós, os espectadores,
sentados passivamente na outra ponta do circuito, não os alegramos com a
nossa presença expectante. Eles não nos lisonjeiam, e a formalização das
cenas não admite sedução. Alguma coisa deveríamos ter feito além de estar
ali. Cumpre, por dever de delicadeza, dar uma resposta a esses jovens tão
graves e exigentes consigo mesmos. Sentimos que a reação mecânica dos
aplausos não basta. Mas o que fazer? Somos os outros, a porta fechada contra
a qual se esfolam os nós dos dedos dos artistas.

Prêt-à-Porter 5. Apresentação de três espetáculos criados e desenvolvidos
pelos atores e coordenados por Antunes Filho.

UP-DATE: Na quinta, fui ao Teatro do SESC-Copa batalhar ingressos para Pret-a-porter espetáculo do Antunes Filho, que só fica no Rio esse findi, e já estava com lotação esgotada todos os dias. Não teve divulgação na classe, e soube por acaso nesse mesmo dia por uma matéria no jornal "O Globo".

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