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26.6.06

"SÃO ALGUMAS IDÉIAS FIXAS QUE DÃO FORÇA ÀS TORCIDAS DO CÉU E DA TERRA"

NELSON RODRIGUES: TEATRO E FUTEBOL

Um fato que chama a atenção na obra de Nelson Rodrigues é justamente sua diversificação por estes dois campos aparentemente tão semelhantes: o teatro e o futebol. O teatro, cuja condição fundamental é a relação viva entre ator/espectador, está totalmente afastado da massa populacional brasileira. E o futebol é a "alegria do povo", um "espetáculo das massas, o esporte nacional por excelência". Enquanto o teatro brasileiro é instável em termos financeiros e vai-se tornando um verdadeiro indigente, o futebol é encarado como empresa, como meio de se alcançar lucros: "Todo mundo mete a mão no dinheiro do futebol. As arrecadações estão aí para provar: monstro. Todo mundo ganha. Ganha cronista, ganha escoteiro, ganha Deus e o mundo". (Opinião, 29/10/76)

(...) São inumeros entretanto os pontos de diferenciação. Enquanto no jôgo o torcedor procura, de alguma maneira, participar e se exprimir livremente (xingamentos, gritos de incentivo, conselhos ao técnico, exigindo a entrada ou saída de jogadores, cantorias de hinos, batucadas), o espectador teatral esforça-se por continuar calado e passivo e, se chamado a participar, mostra-se comumente contrariado. A peça teatral vai estar marcada pelo respeito a um programa, pela repetição, já o jogo é configurado pelo acaso, pelo improviso, pela surprêsa.

(...) Por isso Nelson, enquanto cronista esportivo, procura questionar a linguagem aceita (" o futebol é imprevisível ") e transformá-la ("estava escrito"). Neste sentido podemos aproximar seu trabalho de cronista ao de dramaturgo.
Em ambas as atividades haverá um movimento na direção da quebra com a opinião pública, com o senso comum, com a cristalização. Em frases como "Observei:- Nada como um dia depois do outro" "Isso não queria dizer grande coisa, e, direi mesmo, que não queria dizer nada" (Globo), fica patente em Nelson-cronista a quebra com a proverbial linguagem habitual.

(...) Escrevia em uma de suas cronicas em novembro de 76: "Em cada geração temos, nas nossas barbas, uns três sujeitos cada um dos quais pode ser considerado o maior jogador do mundo. O nosso povo, porém, exige que os três sejam consagrados lá fora...". Cita então os exemplos de PELÉ, RIVELINO e ZICO, todos os três só reconhecidos depois de aclamados pela cronica esportiva estrangeira. Ainda nesta cronica Nelson faz uma digressão que parece passar do terreno meramente esportivo para nossa cultura de uma maneira geral: "Desde Pero Vaz Caminha que o brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem". Daí sua crítica aos elementos que cospem/constroem tal imagem: o jornal, o radio, a crítica, os doutores.

(...) ... a uma cultura que não consegue construir parâmetros próprios para se ver, só resta não se ver através de uma visão outra, deformada de si mesma. E o que se vê no teatro de Nelson, é justamente uma tentativa de acabar com os pontos de apoio dessa visão deformada.

Fonte:"NELSON RODRIGUES E O FUNDO FALSO" de Maria Flora Sussekind - monografia premiada no I Concurso Nacional de Monografias - 1976, pelo Serviço Nacional de Teatro - FUNARTE - MEC.

25.6.06

Vai Falar o Óbvio Ululante

Sonhei que Deus chegava perto de mim e perguntava: - "O que é que você fez na vida?" Tratei de vasculhar todas as províncias do meu passado. Na infância andei roubando goiabas e raspando pernas de passarinho a canivete. Todavia, nem uma coisa, nem outra, me pareceram dignas de menção. Não seria eu o primeiro ladrão de goiaba, nem o primeiro estripador de passarinho.

Na idade adulta, andei escrevendo peças, romances, crônicas. Mas nem as peças eram dignas de um Shakespeare, nem os romances dignos de Proust. E a verdade, a lamentável verdade, é que eu não encontrava, em toda a minha biografia, nada que surpreendesse o Altíssimo e merecesse o seu espanto. Eis, senão, quando, de repente, baixa em mim uma luz genial. Alço a fronte e digo: "Eu promovi, eu consagrei o óbvio!"

Aí está o grande feito de toda a minha vida. O óbvio vivia relegado a uma posição secundária ou nula. Fui eu que, com minha pertinácia, arranquei-o da obscuridade, da insignificância. Hoje, o óbvio tem trânsito em todas as áreas, é citado nas esquinas, botecos e retretas. Ainda outro dia, escrevia-me, de Filadélfia, um universitário americano. Queria saber apenas o seguinte - "Quem é esse óbvio tão falado no Brasil? Podia me dizer quais suas obras, seus livros, seus feitos?" Essa consulta, que me chegou de outro continente, prova que o óbvio já adquiriu personalidade internacional. Frank Sinatra não será tão popular nos Estados Unidos. Todavia, ao apresentar o óbvio, eu fiz a seguinte e fundamental ressalva: - ninguém o enxerga de sujeitos são cegos para ele. E acrescentei: "Gênio, santo ou profeta é aquele que enxerga o óbvio."

Faço esta introdução a propósito do que li sobre o Fluminense. Diz um colega que o Tricolor está sem níquel para comprar nem mesmo um único e escasso cabeça de bagre. A qualquer momento, nós o veremos numa esquina, tocando realejo, com um periquito de tirar sorte. Eu li e reli. E nada descreve o meu espanto e o meu horror.

Tudo o que foi escrito é de uma inveracidade total e estarrecedora. Cabe, então, a pergunta - como pode um jornalista agredir os fatos, como pode ele ignorar a evidência? Explico: - como tantos outros, o colega é cego para o óbvio. O que é o Fluminense? O maior clube do Brasil e do mundo. Repito - o maior clube do Brasil e do mundo. Isso é o óbvio mais que ululante.

Chega a ser cômico falar nos seus problemas. De todos os clubes, o Tricolor é o que tem melhor saúde econômica, melhor saúde financeira. Se ainda usássemos o chapéu, teríamos que tirá-lo em sentida e obrigatória reverência, sempre que falássemos no seu nome. Os outros, todos os outros, estão vergados ao peso de dívidas como uma árvore ao peso dos frutos.

O Fluminense, não. O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade. Tudo pode passar, só o Tricolor não passará, jamais.

Quem diz é o óbvio ululante.

Nelson Rodrigues
João Saldanha e o cronista esportivo Nelson Rodrigues

Nelson deu uma nova e grandiosa dimensão à crônica esportiva. Valorizou-a com suas geniais invenções, e com sua violenta imaginação. Embora ele diga sempre que não tem nenhum compromisso com os fatos, Nelson só rompe com os fatos no segundo, terceiro parágrafo de suas crônicas.
Ele cria exatamente sobre os fatos - e, se os retifica, e em seguida os reapresenta devidamente valorizados - ele faz hitoria. A historia do esporte de nossos dias. Onde cada pontapé ou cabeçada, tem de ser devidamente interpretada, e não simplesmente retratada. Como já observaram os críticos literários e sociólogos, Nelson faz com que um simples jogo de futebol, deixe de ser um jogo manjado de 22 sujeitos correndo atrás de uma bola, e se transforme na suprema manifestação artística e criativa de todo um povo.

João Saldanha

16.6.06

Nelson Rodrigues e futebol



Grã-Fina das Narinas de Cadáver

Amigos, pensam vocês que o futebol tem a simplicidade dos outros esportes. Não, não tem. Não é apenas técnico e tático como os outros. O futebol é mágico. Quantas vitórias, quantas derrotas, desafiam todo o nosso raciocínio e toda a nossa experiência?

Vocês se lembram de 50 e quem não se lembra de 50? O Brasil não podia perder. Técnica e psicologicamente estava em condições muito superiores às do adversário. Só a presença da nossa torcida (duzentos e cinquenta mil brasileiros) bastava, ou devia bastar para esmagar o Uruguai. Mas perdemos o jogo. Não podíamos perder e perdemos. Aconteceu o seguinte: - vitoriosa, a "Celeste" ainda fez a volta olímpica. Tivemos que aplaudir a nossa própria humilhação. Pois este episódio negro na nossa história esportiva foi um milagre contra nós, um milagre pró-Uruguai.

Aí está dito tudo: - há milagres no futebol. E a reação da torcida é a mais imprevisível. Amanhã, há um Fla-Flu, mais um Fla-Flu. É um clássico que magnetiza toda a cidade. Ontem, encontrei-me com a grã-fina das narinas de cadáver. Ela veio para mim feliz do encontro. Disse: - Vou ao Fla-Flu. Imaginem vocês que, outro dia, ela me entra no "Mário Filho" e pergunta:- " Quem é a bola? " Não sabia quem era a bola, mas era tocada pela magia do Fla-Flu. Sabe quem é o Fla-Flu e não sabe quem é a bola.

Venho acompanhando o destino do clássico, desde a minha infância profunda. Naquele tempo, era Flamengo x Fluminense. Foi Mário Filho que alguns anos depois criou o diminutivo fascinante : - Fla-Flu. Eu queria dizer que o Fla-Flu apaixona até os neutros. Ou por outra: - diante do formidável clássico não há neutros, não há indiferentes. Há sujeitos que não gostam do Fluminense, não gostam do Flamengo, mas estão lá. Encontrei um desses, no último Fla-Flu. No intervalo, fui tomar um café. No caminho, vi o meu conhecido num canto, estrebuchante. E mais: - babava na gravata. Aquilo me escandalizou: - "O rapaz! Você não é Flamengo não é Fluminense. Estás torcendo por quem?" Arquejou: - "Torço contra os dois". Mas torcia, o desgraçado...

Não interessa que seja ou não um grande jogo. Só as partidas medíocres precisam ter qualidade. O Fla-Flu vale emocionalmente. Ou por outra: - é Fla-Flu e basta.


NELSON RODRIGUES

10.6.06


Patricia Selonk e Fabiano Medeiros em "Toda nudez será castigada"

Thales Coutinho e Raquel Karro em "Toda nudez" de Nelson Rodrigues

TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA

O Armazém Cia. de Teatro, termina a temporada de "Toda Nudez Será Castigada", neste domingo. Eu assistí esse espetáculo e não posso deixar de recomendar. Não deixe de ver o texto do Nelson Rodrigues que já fez sucesso até na França, e por aqui é das mais representados. Faça sua reserva ou informe-se no (21)7819-4359 / 7819-4358.
Hoje, amanhã e domingo sempre às 20hs, no Espaço Armazém, na Fundição Progresso, na Lapa. Os ingressos custam R$ 20,00, e tem meia entrada pra estudante, idosos e a classe artística.
Esse espetáculo foi indicado em quatro categorias para o Prêmio Shell de Teatro, e já esteve em cartaz com sucesso de púbico e crítica em Brasilia, Belo Horizonte e no Festival de Curitiba, e deverá viajar por outras capitais brasileiras. Não Percam. Fiquem espertos.

UPDATE:TOUTE NUDITÉ SERA CHÂTIÉE
Encontrei na rev. Folhetim 7 (de maio-ago 2000 Edição Especial com Nelson Rodrigues), a foto do cartaz da montagem de "Toda nudez..." em Paris, onde teve a direção de Alain Olivier e a protagonista foi a atriz brasileira Lorena da Silva.
Folhetim é uma revista de ensaios sobre teatro que nasceu dos programas que o Teatro do Pequeno Gesto elaborava para suas produções. Fátima Saadi, Antonio Guedes, Ângela Leite Lopes e Walter Lima Torres integram o Conselho Editorial. Pode ser encontrada nas livrarias do Estação Unibanco, Museus, CCBB, Timbre, Dazibao, etcs... leitura obrigatória para todos.


Cartaz da encenação francêsa de Toda nudez será castigada. (Foto da Folhetim pèssimamente reproduzida por mim, nem dá para reconhecer o autor - é ele mesmo -sentado na cadeira de balanço).

6.6.06


CINEMA E DANÇA NO ODEON

Na próxima quinta feira, dia 8 de junho, no ODEON-BR na Cinelandia, uma sessão beneficiente do filme Vamos todos dançar para arrecadar verbas para os projetos sociais dirigidos por Angel Vianna.
Adquira seus ingressos: R$ 10,00 na secretaria da Escola/Faculdade
Rua: Jornalista Orlando Dantas, 02 - Botafogo

Além do filme, danças breves e supresas muitas, com apresentação dos alunos da Faculdade e Escola Angel Vianna. Vamos todos dançar!
Como disse a Mestra Angel Vianna, numa entrevista ao Michel Melamed no Re-corte Cultural da TVE, que foi ao ar na semana passada:

- Dançar a vida é o grande sentido da vida.

Sinopse do filme VAMOS TODOS DANÇAR
Mad Hot Ballroom, de Marilyn Agrelo
E.U.A, 2005. 105?
Em 1994, duas escolas públicas de Nova York começaram a oferecer aulas de dança de salão. Em 2004, já eram 60 instituições de ensino com essa matéria no currículo. Ao final do curso, as escolas escolhem cinco pares de alunos para uma grande competição de dança de salão. O documentário acompanha, do início das aulas até o fim do campeonato, a trajetória dos alunos de três dessas instituições. Com média de 11 anos, os garotos e garotas, saindo da infância e entrando na adolescência, enfrentam seus limites em ritmo de tango, swing, rumba, merengue e foxtrote.

4.6.06

...LOUVAÇÃO DA DESMEMÓRIA

Boa é a desmemória!
Sem ela, como iria
deixar o filho a mãe que lhe deu de mamar,
que lhe emprestou força aos membros
e que o retinha para o experimentar.

Ou como iria o aluno deixar o mestre
que lhe emprestou o saber?
Com o saber emprestado,
cumpre ao discípulo pôr-se a caminho.

Na casa velha
os novos moradores entram;
se lá estivessem ainda os que a construíram,
seria a casa pequena demais.

O forno esquenta, e do oleiro
ninguém se lembra mais. O lavrador
não reconhece o pão depois de pronto.

Como levantar-se de novo o homem de manhã, sem
o esquecimento que apaga os rastros da noite?
Como iria, quem foi ao chão seis vezes,
levantar-se pela sétima vez
para amanhar o pedregoso chão,
para subir ao perigoso céu?

É a fraqueza da memória que dá
força à criatura humana.

(Brecht, Bertold - Poemas e Canções. Tradução de Geir Campos. Editora Civilização Brasileira, 1996. p.120.)


O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

Poema de Berthold Brecht - tradutor desconhecido.