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25.6.06

Vai Falar o Óbvio Ululante

Sonhei que Deus chegava perto de mim e perguntava: - "O que é que você fez na vida?" Tratei de vasculhar todas as províncias do meu passado. Na infância andei roubando goiabas e raspando pernas de passarinho a canivete. Todavia, nem uma coisa, nem outra, me pareceram dignas de menção. Não seria eu o primeiro ladrão de goiaba, nem o primeiro estripador de passarinho.

Na idade adulta, andei escrevendo peças, romances, crônicas. Mas nem as peças eram dignas de um Shakespeare, nem os romances dignos de Proust. E a verdade, a lamentável verdade, é que eu não encontrava, em toda a minha biografia, nada que surpreendesse o Altíssimo e merecesse o seu espanto. Eis, senão, quando, de repente, baixa em mim uma luz genial. Alço a fronte e digo: "Eu promovi, eu consagrei o óbvio!"

Aí está o grande feito de toda a minha vida. O óbvio vivia relegado a uma posição secundária ou nula. Fui eu que, com minha pertinácia, arranquei-o da obscuridade, da insignificância. Hoje, o óbvio tem trânsito em todas as áreas, é citado nas esquinas, botecos e retretas. Ainda outro dia, escrevia-me, de Filadélfia, um universitário americano. Queria saber apenas o seguinte - "Quem é esse óbvio tão falado no Brasil? Podia me dizer quais suas obras, seus livros, seus feitos?" Essa consulta, que me chegou de outro continente, prova que o óbvio já adquiriu personalidade internacional. Frank Sinatra não será tão popular nos Estados Unidos. Todavia, ao apresentar o óbvio, eu fiz a seguinte e fundamental ressalva: - ninguém o enxerga de sujeitos são cegos para ele. E acrescentei: "Gênio, santo ou profeta é aquele que enxerga o óbvio."

Faço esta introdução a propósito do que li sobre o Fluminense. Diz um colega que o Tricolor está sem níquel para comprar nem mesmo um único e escasso cabeça de bagre. A qualquer momento, nós o veremos numa esquina, tocando realejo, com um periquito de tirar sorte. Eu li e reli. E nada descreve o meu espanto e o meu horror.

Tudo o que foi escrito é de uma inveracidade total e estarrecedora. Cabe, então, a pergunta - como pode um jornalista agredir os fatos, como pode ele ignorar a evidência? Explico: - como tantos outros, o colega é cego para o óbvio. O que é o Fluminense? O maior clube do Brasil e do mundo. Repito - o maior clube do Brasil e do mundo. Isso é o óbvio mais que ululante.

Chega a ser cômico falar nos seus problemas. De todos os clubes, o Tricolor é o que tem melhor saúde econômica, melhor saúde financeira. Se ainda usássemos o chapéu, teríamos que tirá-lo em sentida e obrigatória reverência, sempre que falássemos no seu nome. Os outros, todos os outros, estão vergados ao peso de dívidas como uma árvore ao peso dos frutos.

O Fluminense, não. O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade. Tudo pode passar, só o Tricolor não passará, jamais.

Quem diz é o óbvio ululante.

Nelson Rodrigues

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