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23.7.06


O Festival Beckett 100 Anos até agora, sem dúvida, é o acontecimento cultural mais importante do ano. Assistí a todas as palestras com as mais diferentes abordagens: das peça radiofonicas, televisivas, à prosa e a poesia, ao Filme com Buster Keaton em 1964, e mais a influencia das artes plasticas na obra beckettiana. Me deu outros parametros para o entendimento e a pesquisa de Samuel Beckett. Sobre isso falarei depois.
O Beckett de Gerald Thomas

Ontem, o workshop com o Gerald Thomas foi como um bate-papo entre amigos, com a irreverencia, a ousadia e a informalidade conhecidas do diretor. Começou com provocações à platéia, implicando com uma menina na primeira fila que ele achou que estava com cor de doente ou de quem tinhado tomado crack, depois perguntas à platéia porque tinham vindo ao workshop e uma inusitada pergunta: o que é um workshop?.
Provocações de ambos os lados estabelecidas, começou contando os famosos encontros com Beckett (não foi só aquele flagrante famoso da foto) aquele já era o terceiro ou quarto, e como se deu o primeiro encontro.
Saiu de New York para Paris encontrar Beckett, e chegando lá, este estava na sua casa de campo, e a angustia da espera de um telefonema num quartinho de hotel, de nove da manhã às quatro da tarde. E, quando a fome apertou, ele desceu para um rápido lanche. Quando voltou tinha um recado do Beckett que voltaria a telefonar às 19 hs. E de fato às 19 hs em ponto tocou o telefone. Do outro lado da linha, Beckett marcava um encontro às onze da manhã do dia seguinte, num bar da Boulevard Saint Jacques, o mesmo local da famosa foto.
Falou dos vários encontros, inclusive do privilégio de ver Beckett dirgir novelas:

-- Eu vi Beckett dirigir as novelas da tv alemã. E se confessou horrorizado de como os atores iniciantes eram desrespeitosos com Beckett. Eu falei e ele mandou chamar outros atores que conheciam a obra do maior dramaturgo e não berravam perguntas tipo porque eu tenho que ir pra a direita?.
Menciona o fato de como Beckett odiava ser chamado de teatro do absurdo:
-- Beckett era clownesco, não gostava dessas montagens prá baixo, as pessoas transformam num bicho de sete cabeças, e não é nada disso.
A seguir faz uma declaração no mínimo inusitada, porque nas várias abordagens pelos demais palestrantes desse festival, nenhum mencionou tal fato.
-- Beckett esrevia para figuras longilineas como ele.

Fala de Dias Felizes que ele escreveu pra Madeleine Renaud e a dirigiu nesse espetáculo, mas não gostou dos resultados. Imita Madeleine Renaud, e a seguir detona o teatro frances:
-- Todo o teatro francês é careta. Patrice Chéreaux é chatíssimo.
Conta ainda como Beckett o provocava ficando de cabeça baixa, curvado um tempão sem dizer nada:
-- E e eu sem saber o que fazer ou dizer, e daí ele levantava a cabeça e me olhava com aqueles olhos muito azuis, e vinha uma pergunta inesperada. Ele me checava pra saber se de fato eu conhecia as obras dele. À época, eu fazia a adaptação das suas prosas para o teatro, ainda não tinha montado nenhuma peça dele.
Sobre os intelectuais e Beckett:

-- Beckett reclamava muito dos acadêmicos, dos semiologos que fazem de uma página de Godot, noventa livros. Beckett é o mais mal interpretado autor do século vinte.

Conta a inspiração de Beckett para o título da peça Esperando Godot.
-- Godaux (pronuncia-se Godô em francês) era um ciclista, campeão na década de trinta. E uma vez num tour de France ele não apareceu, e o publico lá esperando Godô, e nada. Ele desapareceu para sempre.
Menciona ainda o fato de como Beckett custou a ser aceito.

-- Ele foi rejeitado por mais de cem editores, levou não de não sei quantos teatros. Na primeira montagem de Godot tinha setenta pessoas na platéia e trinta e cinco sairam na metade do espetáculo. Montavam com muita seriedade o Beckett, ninguém destacava o humor. Ele era um sujeito muito amargo. Quando ele passou a ser aceito, o figado já estava comprometido. É historica, uma montagem de uma peça de Beckett em Nova York , todo o mundo dormiu e o ator também.
Sobre as decantadas fumacinhas das suas peças:
-- Eu não aguentava mais respirar fumaça. Fala ainda sobre Electra Concreta que ele destaca como comédia.
Sobre a famosa repercusão da ópera bufa no Municipal:
-- A história da bunda no Municipal foi uma grande piada, e ficou uma coisa de criminoso -- eu e o Marcola.
Sobre a representação e a interpretação:
-- Teatro é um grande fingimento, uma mentira assumida, um grande jôgo, tem que ter esse prazer de mentir falando a verdade, tem que ter a necessidade orgânica de se expressar. E se você se leva muito a sério, muita pesquisa... não acontece esse jôgo.

Gerald detonou geral e se confessou derrubado, numa exposição pessoal e um desabafo como raras personalidades têm a coragem para falar pùblicamente:

-- Eu tô vendo uma terceira guerra mundial ... com Bush no poder eu não sei mais o que fazer, e o Gil no Ministério da Cultura não fez nada. Eu tô derrubado, derrubado mesmo, num momento de reavaliação depois 77 peças pelo mundo todo19 óperas, acabei de recusar a direção de uma ópera na Alemanha. Me confesso num momento terrível, uma depressão misturada com pânico, e tô aqui com um Rivotril no bolso. Levei cinco dias para sair de casa, e descer oito andares para comprar água mineral.

Alguem da platéia perguntou pelo seu blog se tinha encerrado mesmo e ele disse que sim que não aguentava mais. Pipocam algumas perguntas da platéia, e a seguir pediu dez minutos para o público dizendo que já voltava, e pegou a sua mochila e saiu rápido em direção aos camarins.

Ousadia total. Se alguém da platéia foi embora ? Não. Ficaram todos esperando pelos mais de dez minutos, com exceção de um cineasta que estava sentado na primeira fila e que falava o tempo todo, pareciam amigos, sabiam muito um da vida do outro - era o Azulay diretor de "O Judeu".
Quando voltou ao palco, sem a mochila, de cabelos molhados, encerrou simplesmente o encontro prometendo mais para hoje, inclusive a tal "prática" do workshop, e sumiu para o camarim.
Espero anciosamente a "palestra" de hoje á noite, as 19,30 hs. Hoje, a entrada é gratuita com distribuição de senhas, meia hora antes. Quem quiser garantir o seu lugar no pequeno teatro do Centro Cultural Telemar, deve chegar com no mínimo três horas de antecedência. Fiquem espertos.

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