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22.1.03


Por onde anda a nova dramaturgia?

Projeto com textos de novatos abre espaço para discussão sobre escassez de autores contemporâneos

Alexandre Werneck e Cláudia Amorim (Reporteres do JB)

Entre as montagens que ocupam os teatros da cidade em busca do grande público, multiplicam-se textos importados, adaptações de clássicos e cânones como Nelson Rodrigues, mas uma ausência chama a atenção de quem procura ver no palco um retrato da atualidade escrito por alguém que efetivamente viva aqui e agora. Onde estão os autores teatrais contemporâneos? Há quem diga que o sumiço é culpa dos diretores, outros acham que os textos produzidos é que são ruins mesmo, e culpam a falta de escola e de incentivo. Uma iniciativa que pretende tirar a classe do limbo, o projeto Nova Dramaturgia Carioca, acontece até 17 de fevereiro no Teatro do Jockey. Depois da palestra de abertura, realizada ontem, com o dramaturgo Bosco Brasil, estréia hoje O homem que era sábado, um dos seis espetáculos que fazem parte da mostra.
Um dos responsáveis apontados pelo desaparecimento dos novos dramaturgos é a chamada era dos encenadores, que dominou os anos 90 com uma hegemonia de diretores de teatro que apareciam mais até do que os textos que montavam.

- Isso foi um equívoco. O diretor pode ser um grande encenador, mas um péssimo dramaturgo. O ideal é o equilíbrio: bom texto e bom diretor - diz o crítico de teatro e imortal da Academia Brasileira de Letras Sábato Magaldi, acostumado a altos e baixos na dramaturgia brasileira em 75 anos de vida.

O autor Bosco Brasil, destaque (tardio) na cena teatral carioca no ano passado com Novas diretrizes em tempos de paz, vê um arrefecimento dessa ditadura dos diretores:

- As pessoas se tocaram de que o dramaturgo é uma figura importante. Era impressionante: o espectador de televisão tinha mais noção do autor do que o de teatro.

O dramaturgo Domingos de Oliveira pensa diferente. Para ele, os novatos na arte de escrever para teatro não foram vítimas de encenadores e diretores, mas sim de seus textos sem qualidade:

- Está brabo. Procuro muito, não me recuso a ler nada, mas não aparecem bons textos. O problema é que é muito difícil escrever e não existe curso ou apoio à dramaturgia nacional. Devia haver um prêmio, não dá para escrever peças nas horas vagas.

Domingos, que cita algumas exceções em meio à crise na dramaturgia nacional (entre elas, Bosco Brasil) é contestado por Pedro Brício, que participa do Nova Dramaturgia Carioca com O homem que era sábado, sua primeira peça como autor.

- Ter uma escola seria ótimo, mas não é absolutamente necessário. Incentivos também seriam bem-vindos: assim como há um interesse na cinematografia nacional, deveria haver na dramaturgia nacional, mas não se pode colocar a culpa nisso. Quem quer, escreve. Existem bons textos, mas ficam escondidos - acredita.

O novo dramaturgo Roberto Alvim, um dos coordenadores do Nova Dramaturgia Carioca, não só acredita que o vilão é a ditadura do encenador como não hesita em decretar sua morte.

- Ela acabou por um único motivo: os diretores não têm mais nada a dizer. A prova é que as mostras de novos dramaturgos têm feito sucesso - acredita.

Alvim coordena, desde agosto de 2001, o projeto Nova Dramaturgia Brasileira, sediado na Sala Paraíso do Teatro Carlos Gomes, sob os auspícios da prefeitura do Rio. O projeto já recebeu mais de 360 textos de diferentes autores de todo o Brasil e, em 2002, promoveu 28 leituras e encenação de 20 peças.

- Há muita gente escrevendo, o problema é que eles não têm visibilidade. Em São Paulo, como já há projetos mais antigos, isso está melhor, mas o Rio começa a se mobilizar - afirma Roberto Alvim.

Bosco Brasil concorda, apontando como problema a separação entre os autores novos e o establishment:

- Dramaturgos nunca deixaram de existir. Esses novos na verdade trabalham há muito tempo. O que se está recuperando é a auto-estima da dramaturgia brasileira.


O porto seguro dos clássicos


De fato, a montagem de trabalhos de autores novos se dá quase que invariavelmente em espaços alternativos, não chegando a grandes teatros, dominados pela tríade peças estrangeiras, clássicos e encenações dos brasileiros tradicionais.
- O ambiente de teatro tem uma relação difícil com os escritores. Repete-se o mito de que é melhor encenar uma peça de um autor morto porque ele não vai dar palpites - diz Bosco.

E tomem-se reencenações de Nelson Rodrigues.

- Essas remontagens demonstram covardia. É por esse medo que se escuta tanto que determinado texto clássico ''é tão atual'' em vez de se criarem peças de fato atuais - critica Roberto Alvim.

Mas quantos bons autores existem no meio de 360 textos como os do Nova Dramaturgia Brasileira?

- Qualidade vem com quantidade. É preciso haver muitos autores para que haja um grande número de ruins, um razoável de bons, um pequeno de excelentes e um ou dois gênios. O projeto é para manter as pessoas escrevendo - explica Roberto.


A nova escrita dramatúrgica

Tendência dos autores é elaborar o texto em equipe durante a criação do espetáculo

Macksen Luiz (Crítico do JB)

A insatisfação parece não mais redundar no silêncio. A produção dos novos dramaturgos brasileiros começa a deixar as telas dos computadores para chegar ao palco, confirmando que há um movimento de acomodação de camadas dramatúrgicas que pode vir a compor uma geologia autoral renovada. Seminários e mostras de dramaturgia, especialmente em São Paulo, e agora no Rio, procuram registrar esse ruído que reverbera como tentativa geracional de ocupar lugar um tanto abandonado desde os anos 80.

O projeto teatral Ágora, que reúne há três anos em São Paulo atores, diretores e autores em torno de investigação nas áreas cênicas, encena espetáculos que resultaram de seminários realizados em 2001. A proposição de temas, na verdade, perguntas, sugeriu a um núcleo de autores respostas dramatúrgicas que respeitaram não só a provocação temática como o limite de duração das peças, que precisam ser curtas. Simples, com traços de crônica, muitas vezes, o resultado são monólogos, gênero perigoso pela forma dramaticamente reducionista como vem sendo tratado por interpretações equivocadas.

A Mostra de Dramaturgia Contemporânea, que se realizou ano passado em São Paulo, encomendou a 15 autores peças sem limitação temática, apenas restritas a no máximo quatro atores e com até 40 minutos de duração. Tais condicionantes, que a princípio parecem restritivos em conseqüência das condições de produção - o centro de criação da nova dramaturgia nacional tem sido determinado, em grande parte, por essa economia de meios - resultam em concentração expressiva que, de certo modo, depura excessos e reforça a necessidade de núcleo dramático sólido.

A alternativa de linguagem de uma ''dramaturgia cênica'' amplia o campo da escrita teatral ao propor que o texto acompanhe, em paralelo e no conjunto da cena, o processo de criação do espetáculo. O grupo (atores, encenador, equipe técnica, autor) é responsável pela gênese do texto, coletivizado através de discussão extensiva e da incorporação progressiva de elementos trazidos por todos durante o trabalho. O processo de ensaio é, praticamente, paralelo à confecção do texto. Fernando Bonassi escreveu com o Teatro da Vertigem o memorável Apocalipse, demonstração mais bem acabada desse tipo de dramaturgia no Brasil.

Numa linha um tanto semelhante, Dionísio Neto (Opus profundum) é um autor que se distribui pela cena, também como ator e diretor, concentrando em si todas as atividades num teatro que se pretende multimídia e próximo do que poderia se definir como ''cultura pop''. A tentação de se enquadrar nessa salada mista de todas as influências na contemporaneidade e com perspectiva urbana tem levado alguns novos autores brasileiros a buscar no universo dos drop-outs e na marginalidade emocional - apagando a ''tradição'' populista e ideológica da marginalidade social da geração dos anos 60 e 70 - o espaço expressivo explorado pela dramaturgia inglesa, em especial Sara Kane e seus filhotes.

A explosão de Bosco Brasil com Novas diretrizes em tempos de paz, texto concentrado dramaticamente que, em montagem de 50 minutos, estabelece jogo de contrários com a simplicidade de climas emocionais e reflexão poética, não parece fato isolado ou sucesso circunstancial. A segurança, o rigor e a consistência de sua peça podem, igualmente, ser apontados em autores como Newton Moreno (Dentro) e Aimar Labaki (A boa). A generosidade criativa de Mário Bortolotto (Nossa vida não vale um Chevrolet), capaz de escrever dezenas de peças e criar condições de encená-las, estabelecendo em torno de sua obra uma circulação de idéias, constitui um efeito novo nas relações de um dramaturgo com a platéia. A verificar.

A dramaturgia de base literária, na qual a dramática segue estruturação narrativa linear, tem se mostrado menos consistente. Os concursos de dramaturgia oficiais revelam quadro assustador: produção volumosa, mas medíocre. Essa produção que deságua nos concursos parece concentrar livres atiradores que, sem técnica ou capacidade inventiva, produzem pastiches de Nelson Rodrigues às dezenas, requentam temas regionalistas e imaginam um ''teatro político'' sem contexto, quando não reduzem a diálogos primários aquilo que imaginam ser a estrutura de um texto teatral.

Nesta tradição mais literária, o aparecimento de Caio de Andrade (Os olhos verdes do ciúme) parece confirmar a sua vocação para a dramaturgia de contorno ''histórico'' e tradicionalista. Esse carioca, em meio a tantos paulistas, não está solitário nesse desvendamento atual das possibilidades de que surjam autores numa geografia teatral marcada pela cultura da comédia. O projeto Nova Dramaturgia Brasileira, que desde a última temporada, no Teatro Carlos Gomes, tenta acomodar e revelar aqueles que produzem no Rio, e que se inscrevem nesta nova onda dramatúrgica, integra-se à pressão de deixar nascer o que até então era um desejo condenado à memória dos computadores.

(Jornal do Brasil -14/01/2003)

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