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14.5.03


Depoimento de um ator e autor brasileiro sobre um curso do método de Stanislavsky em Moscou

Há três anos que eu vinha "babando" de expectativa de poder fazer um
curso de teatro em Moscou. Sabia que alguns amigos e colegas de profissão já
tinham feito o curso, como Cacá Mourthé e Clóvis Levy, e sempre tentava
articular a minha participação mas nunca dava. Esse ano deu ! Ajeitei toda a
minha vida profissional e pessoal e parti para Moscou. O curso em questão se chamava Fundamentos do Método de Stanislavsky, seria um curso de aperfeiçoamento, com carga horária de 120 h/a, e iria traçar um apanhado geral do famoso método e como ele é utilizado hoje em dia na Rússia pelos seguidores diretos do famoso mestre.

Um outro motivo me impulsionava: como além de ator e autor trabalho como professor de interpretação há alguns anos, sempre tive dúvidas sobre alguns pontos dos livros do Stanislavsky que me pareciam, e depois descobri que a muitos outros colegas também, um pouco nebulosos, pois o que temos é uma tradução do russo para o inglês-americano e deste para o português. Alguns conceitos não ficavam muito claros para mim.

Em Moscou, os mestres nos informaram que isso é uma reclamação mundial, pois quando o Stanislavsky estava com o filho doente e precisando de dinheiro, topou escrever suas obras vendendo seus direitos para os americanos. Ou seja, ninguem na familia do mestre ou na Rússia recebe pela obra, são só os americanos. Houve até um congresso na década de 90 em Moscou, onde pessoas do mundo inteiro reclamavam da impossibilidade de se traduzir direto do russo, pois os americanos não deixam. Todos reclamavam, menos os americanos!

Assim, liguei para a agencia em São Paulo que estava organizando a viagem
e me inscrevi. A história dessa agencia é curiosa. Gustavo, o dono da agencia
é um brasileiro fanático pela Rússia, morou lá 5 anos e sabe tudo sobre tudo
dos russos, inclusive teatro, apesar de nunca ter feito nada pessoalmente
nessa área. Assim ele montou uma agencia especializada em leste europeu e
leva grupo específicos ( pessoal de teatro , arquitetura, etc,...) para conhecer Moscou e fazer um curso especifico da área num local de reconhecimento mundial, oferecendo tradução simultânea do russo para o português.

A mais importante escola de formação de atores do planeta

Assim, aportei no GITIS - Academia Russa de Arte Teatral, conceituada por
muitos como a mais importante escola de formação de atores do planeta.
Nemirovith- Dantchenko deu aulas lá, Meiahold e Grotovsky ( este somente por
um ano) foram alunos. Vartangof, Efremov e tantos outros deixaram suas
passagens por lá.

Assim o grupo de brasileiros ( atores, professores e diretores do Rio e
São Paulo) foi com 15 pessoas para Moscou. O curso era feito da seguinte forma : aulas de Segunda á Sábado pela manhã aula de corpo e voz em dias alternados e à tarde aulas de interpretação, seguindo o método de Stanislavsky.
À noite íamos assistir sempre a um espetáculo. No total, devo ter assistido uns trinta espetáculos, pois ficamos 38 dias na capital Russa ( com uma fugidinha para a belíssima São Petesburgo, que também possui um movimento teatral intenso).

As aulas de corpo que tivemos, apesar do mal cheiro do professor ( que eu
chamava , carinhosamente de "cheiro do fim do planeta") eram as aulas que são
oferecidas aos alunos do GITIS. Se baseiam numa preparação física intensa,
valorizam o malabarismo, ensina tapas cênicos, caídas, cambalhotas, etc e se
baseia muito no método da Bio-Mecânica do Meiahold.. Eles trabalham pouco na
parte corporal o lado lúdico do corpo. São mais técnicos, diretos, uns ginastas. Faz parte da cultura russa, né?

As aulas de voz ( a professora era uma senhora simpática e cheirosa-
graças a Deus!) eram excelentes. Utilizam como base a respiração para se conse guir relaxar e emitir as sonorirades necessárias. Se utilizam de técnicas
diversas, inclusive orientais, chinesas e japonesas, yoga, etc. Moscou, por
estar alí, na boca da Àsia também recebe muitos alunos da Índia, Coréia,
Japão e China.

Método da Analise Ativa

Na parte da tarde tínhamos as famosas aulas de interpretação com David
Liviniev, que é considerado hoje um dos maiores especialistas do planeta em
Stanislavsky. Ele tem um livro chamado "O Método Stanislavsky Hoje", que só
está com tradução em russo, e fala como os russos evoluíram , se
aperfeiçoaram e como trabalham hoje o método de Stan. E foi isso que ele
trabalhou com a gente. Além dele, que era mais teórico, tivemos aula com
outro assombro, que foi o Valentim Trepliakov, também um dos mais
conceituados diretores e professores do método. Ele é o decano da escola e dá
aulas no mundo interiro. Basicamente o que é trabalhado hoje é o método da Análise Ativa, que no Brasil foi introduzido pelo Kusnet.

O método das ações físicas já foi abandonado há uns 20 anos na Rússia. Nenhum aluno lê os livros do Stanislavsky, pois todos consideram hoje em dia como uma obra científica, quase de Museu, e o que se trabalha é o avanço desse método que Stan no final da vida já dava indicações e que foram desenvolvidas pelos seus alunos.
É óbvio que os alunos que não leram os livros de stan, possuem culturalmente
um conhecimento prévio da obra, não é nada desconhecido para eles. Acho
arriscado no brasil não orientarmos nossos alunos a lerem e a conhecerem a
obra de Stan.
No primeiro ano de curso ( são 4 anos) os alunos só trabalham individualmente, NUNCA sendo personagens. Trabalham o famosos "SE" do stan. Os exercícios são todos baseados em " SE você, ator, estivesse vivendo essa situação o que vc faria". Eles tentam a todo custo tirar os arquétipos e estereótipos de representação que os alunos já chegam trazendo. Tive a oportunidade de ver trabalhos belíssimos dos alunos que , sozinhos, e sem super representarem, pensavam em cena, agiam em cena e provocavam com a extrema simplicidade, um real NATURALISMO, uma emoção em quem assistia.

Vivência naturalista
Tenho a impressão que no Brasil temos um certo preconceito com o naturalismo. É como que se o ator que não fosse capaz de criar logo um personagem, fosse um ator menor, sem criatividade, como se o naturalismo fosse fácil e o encontrar o personagem mais difícil, e por isso, mais digno. Os russos não se preocupam com isso. Durante um ano, o ator vai trabalhar sozinho, se auto-entendendo, conhecendo seu próprio pensamento e deixando que suas ações nasçam naturalmente dessa sua vivencia naturalista, pois assim, todos irão acreditar no que acontece em cena.

No segundo ano, os alunos começam a trabalhar em dupla, ainda como eles
mesmos, para começar a exercitar o lado mais importante do ato de
representar, segundo os russos, que é a troca real, o jogo , a verdadeira
interação entre os atores.

No terceiro ano, começa a se introduzir texto dramático e o trabalho de
aproximação do ator como personagem do texto. Tudo de uma forma lenta e
trabalhada, para que no quarto ano, o aluno esteja apto a interpretar uma
montagem da escola, com verdade de atuação.

É emocionante perceber que os alunos entendem perfeitamente a filosofia
da escola e trabalham duro para se aperfeiçoarem. Anualmente 25.000 alunos
tentam ingressar no Gitis, gente do mundo todo e só 120 conseguem. È difícil
entrar, mas quem se forma lá ( diploma vermelho é para alunos excelentes e
diploma azul para bons alunos) tem muita facilidade para conseguir emprego no
mercado de trabalho.

Cada teatro russo tem a sua própria companhia

O mercado de trabalho teatral russo existe, é forte, mas também tem
problemas. O teatro é cultural. Todos vão assistir a peças quase todos os dias.
Existem uns 180 teatros em Moscou, a gente tropeça neles e nas trinta peças
que eu fui assistir, nos teatros mais próximos e mais pertos, maiores ou
menores, EM TODAS AS APRESENTAÇÕES OS TEATROS ESTAVAM LOTADOS. E eu quase não vi nenhuma divulgação das peças na imprensa, pois não precisa. O povo compra o manual das peças e as escolhe para assistir.

Assim como no Brasil a televisão tem uma aceitação cultural inegável, é o
meio escolhido pela maioria de nosso povo, na Rússia é o teatro. O respeito
do povo russo com os artistas também é emocionante. Em todos os teatros
existe uma companhia daquele teatro que trabalha alí e em seus corredores,
fotos de todos os artistas que já trabalharam alí, ou ainda trabalham. É uma
galeria de artistas. No Teatro de arte de Moscou, ví fotos enquadradas de
artistas do começo do século até o ano de 2002.

Não existem longas temporadas nas peças, ou seja, cada teatro com sua
companhia tem um repertório de várias peças que são apresentadas durante todo o mês. Ou seja, se vc for ao mesmo teatro em Moscou durante 1 mês, vc
assistira de 10 a 15 espetáculos diferentes, representados pelos mesmos
atores. Cada peça se apresenta durante 2 ou 3 dias por mês.
Assim temos em Moscou atualmente uns 800 espetáculos ativos ! Numa recente
pesquisa, descobriu-se que se vc fosse assitir a todos os espetáculos que
estão ativos em Moscou hoje, vc demoraria quase 3 anos, indo ao teatro todos
os dias.

Pão com caviar vernelho e vodka no cardapio dos restarurantes dos teatros
Percebe-se que tem um mercado de trabalho real. Quando os alunos de teatro se
formam, preparam um texto e apresentam ao diretor artístico do teatro para
serem contratados. Se eles não conseguirem emprego naquele teatro, terão mais
179 oportunidades, nos outros restantes.Todos os espetáculos começas as 7 da noite e as pessoas correm para lá, também porque tem aquecimento ! Uma das vantagens do teatro russo, é o rigoroso inverno. Todos saem dos trabalhos e antes de se congelarem indo pra casa, dão uma pausa no teatro, guardam seus pesados casacos e comem um pão com caviar vermelho e vodka ( duas das poucas coisas gostosas de se comer por lá ! Que saudades do feijão preto, couve, banana e farofa que eu fiquei ! Nossa!) Se não fosse a vodka, não haveria Rússia. Agora pude entender bem melhor
Dostoiévsky e Tchecov!!!

Agora o fato triste. Das trinta peças que assití, 25 eram ruins, de sair no
meio muitas vezes. E digo isso não porque eu não entendo russo, mas sim
porquê existe uma ingenuidade cênica risível, espetáculos sem nada a dizer,
burocráticos e sem criatividade. Há um problema grave de falta de diretores
criativos na Rússia atual. E há um fazer teatral "industrial", pois eles tem
uma demanda forte de público que precisam ser atendidos !!!

Teatro sem tesão
Enquanto no Brasil, com nossas imensas dificuldades, inclusive de se levar
público ao teatro, a impressão que eu tenho é que sempre há uma "tese" por
trás de um espetáculo. Ou seja, se eu só vou fazer 1 ou 2 espetáculos por
ano, vou querer que eles sejam interessantes, que tenham algo a dizer. Se eu
vou conseguir ou não é outro assunto, mas o DESEJO existe.
Me parece que em Moscou, não há tanto tesão. Sabem que terão público mesmo. Tratam o teatro como uma indústria de emprego em primeiro lugar e como arte em segundo.


Por isso eu digo, sem medo, que o teatro brasileiro BOM é muito mais
instigante, criativo, libertário, interessante, questionador e feliz do que o
dos russos atualmente. Além disso, os espetáculos em Moscou prezam muito conceitos rígidos de se montar clássicos, poucas ou nenhuma pesquisa além disso. A formação de ator deles é muito superior, mas o "fazer" deles não, ou pelo menos questionável.

Os próprios professores russos falam que se no Brasil nós tivéssemos a
formação deles, com o talento de nossos artistas, seríamos os melhores do
mundo. Eles acham os brasileiros muito criativos e muito indisciplinados !!!!!!
Agora, dos 5 espetáculos ótimos que eu ví, com GRAAAANDESSS
atores e atrizes, um é IMPRESSIONANTE : A Gaivota, de Tchecov, no Teatro de
Arte de Moscou. É um espetáculo do Efremov, um dos mais importantes
continuadores do mestre Stan, que eu pude ver um NATURALISMO real em cena,
como nunca vi na vida. Impressionante. Genial. Fantástico. Chorei.

Resumidamente posso dizer que eles tem uma formação de ator estupenda,
espetáculos questionáveis e um naturalismo cênico perfeito, continuando a
serem os melhores do mundo quando se propõem a levar o teatro com o BE-A-BÁ do iluminado Stanislavsky.
Espero que essa impressão muito pessoal minha seja de interesse de vcs.
Aproveitro para dizer que estou oferecendo oficinas de 3 dias até 7 dias para
grupos no Brasil inteiro que queiram saber mais sobre o método de Stan na
Rússia de hoje. Quem quiser, por favor, me escreva ou me indique.

Rodrigo Rangel
rodriran@aol.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, queria saber se vai rolar esse curso no final desse ano, ou em janeiro, se é que vai rolar...
obrigada
meu email é:
villinhas@hotmail.com
bjs