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8.11.03



"Velhinhos de castigo" -- uma homenagem à terceira idade ???!!!
No final da tarde, desta quinta-feira, fui ver a falada performance do 12o. Panorama de Dança, idealizada pela artista plastica e coreógrafa alemã Angie Hiesl. Grudados nos prédios, amarrados a um cinto de segurança em cima de uma cadeira de aço branca presa com potentes parafusos, os intrépidos artistas ficam suspensos durante uma hora e meia, executando gestos e movimentos ligados à sua rotina como ler um livro ou jornal, se espreguiçar, maquiar, e até depenar uma galinha. A performance no seu segundo dia já tinha se incorporado ao cotidiano daquela área, entre Praça Tiradentes e Lavradio. e já era motivo de piadas.

Fingindo não saber do que se tratava, representei a paspalha curiosa e fui direto à Rua Luiz de Camões esquina do prédio do Centro Cultural Helio Oiticica. Uma senhora de cabelos brancos vestido estampadão escuro, lia tranquilamente o seu livro, pendurada no prédio em frente ao Centro Cultural. Do outro lado da esquina um rapaz (esse aparentava no máximo uns quarenta) se contorcia na cadeira como quem acaba de acordar, e se espreguiça. No mesmo prédio dessa esquina, um senhor tirava do bolso de um avental ou algo parecido umas contas ou sei lá o quê. Acho que ele estava catando grãos de feijão.
As moças frequentadoras daquela esquina, disseram que ele era alemão, mas não souberam informar o significado do gestual. Uma morenona que parecia ser a porta voz do grupo, quando eu perguntei o significado de tudo aquilo, respondeu de pronto:
-- É uma peça de teatro dos gringos, vieram mostrar aqui no Rio.

Fui saindo de fininho, sem mais delongas, não pegava nem bem atrapalhar as meninas no cotidiano do seu trabalho.
Em frente ao Helio Oiticia, perguntei a um senhor idoso que passava por ali, completamente indiferente à l'ambience, e ele de pronto respondeu
-- Botaram eles aí de castigo pra não incomodar os outros.

Andei mais um pouco e passou uma moça tipo secretária executiva, e ela disse que tinha visto a chamada na televisão:
-- É uma divulgação da arte de uma artista alemã. Ela apresenta essa arte dela pelo mundo.
Chegando na esquina da Gonçalves Ledo com Luiz de Camões, rolava o maior pagode com caixas de som a todo volume, mesas no meio da rua e nas calçadas. E o povo na maior animação não dava a menor para esse velhinho da foto aí em cima. Sei que era ele porque o JB pulicou essa foto do ensaio geral na Gonçalves Ledo. Ele bebia uma cerveja em lata e se agitava na cadeira, imitando um rebolado som do pagode. Nesse momento eu temi pela sua integridade física. E se ele não estivesse bem amarrado?

E em outro prédio na mesma esquina do outro lado, uma senhora loura, aparentando uns sessenta e poucos anos, com um vestidinho leve, estampado claro toda diafana fazia e refazia a sua maquiagem se olhando em um espelhinho de mão. Fiquei olhando para cima, e como não tinha ninguém por perto resolvi chamar a atenção dela, e gritei várias vezes Hello Madame, e nada. Fingiu não ouvir.
E nisso, passa um casal de namorados, sem parar e sem olhar para cima, respondem prontamente à minha pergunta:
-- Não temos a menor idéia do significado dessa maluquice.

Cheguei do outro lado da esquina para fazer a pergunta ao pipoqueiro, e antes que ele respondesse um senhor aparentando mais de setenta anos, apressou-se na resposta:
-- Botaram eles aí de castigo.

E um outro, na mesma faixa etária, respondeu muito sério e convicto:
-- É propaganda do centro antigo do Rio.

Depois dessa, continuei andado e mais adiante pergunte para uma pagodeira de responsa, toda produzida para a naite, e ela capricou na resposta:
-- São uns gringos que vieram mostrar a cultura deles aqui no Brasil.

Continuei e fui andando dali até a Rua do Lavradio. E no paredão no início da rua, estava "instalada" uma senhora que enrolava uns paninhos. E ao primeiro passante que eu perguntei -- um jovem -- respondeu:
-- Foi o genro dela que botou ela aí. Tava incomodando muito em casa ...

Dito isso saiu andando rindo a passos largos, rindo da própria piada.
Andei mais um pouco e em frente ao Cenarium tinha outra pendurada essa de uma altura bem mais baixa dava para ver o cinturão que amarrava , depenava uma galinha. Na Rua do Lavradio, no final da tarde, as pessoas passavam apressadas, e nem sequer olhavam as inusitadas performances.
Perguntei a um senhor bem vestido, de terno, que estava no restaurante ao lado, e a sua resposta veio pronta:
-- Botaram elas aí de castigo. Tem outra lá no final...

Andei mais uma quadra e na Lavradio com a Rua do Resende, "a Outra", já estava acabando a sua performance, amparada por dois jovens que seguravam uma escada branca. Essa, uma senhora bem mais jovem, de vestido estampadinho bem ao estilo verão do Rio.
As exigências da coreógrafa na escôlha dos seus velhinhos
A coreógrafa e artista plastica Ingie Disl vem apresentando há mais de dez anos esse trabalho em vários paises, agregando pessoas da Colômbia, Suriname, Holanda, Alemanha, entre outros países, com idades entre 63 e 74 anos, e todas com disposição para colocar o pé na estrada e, volta e meia, enfrentar intempéries climáticas. A artista faz apenas apenas duas exigências aos seus intrépidos artistas: ter um certo preparo físico para subir as escadas que levam às cadeiras, e que sejam eles mesmos.
Quando entrevistada pelo JB, sobre o porquê dos velhinhos nessas performances, a explicação foi essa:
-- É uma maneira de homenagear a terceira idade.

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