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19.3.02

Taí uma notícia que eu não poderia deixar de registrar aqui pelo ineditismo do fato. DENISE STOKLOS dirigiu um monologo (quero crer que é a primeira direção fora da sua companhia) com a atriz de tv e cinema CAROLINA FERRAZ, cuja estréia aconteceu neste final de semana, em Curitiba, numa curtíssima temporada de apenas dois dias.
Reproduzo aqui na íntegra a crítica de ALESSANDRO MARTINS, de "O Estado do Paraná" de l6 de março. Vale dar uma confeira no estilo bate-pronto do Alessandro
.

Crítica
Carolina Ferraz imita (mal) Stocklos
Alessandro Martins

O público sempre está do lado do ator. Realmente, faria pouco sentido se, à entrada do teatro, fossem distribuídas pistolas d'água ou bolas de tênis para alvejar o artista, que ficaria a macaquear para se desviar dos projéteis, enquanto, ao mesmo tempo, tentaria dar seu texto. Mas não é assim, salvo em algumas peças experimentais de cunho atlético, dietético ou outra bobagem qualquer.

Na verdade, é como um jogo de futebol com uma torcida e um time apenas. Ninguém quer que o ator erre ou passe por enrascadas no palco e, se isso acontece, todos ficam um pouco nervosos, tensos, a imaginar como ele fará para se safar. Quando consegue, vibra-se. Isso acontece por diversos motivos, desde a identificação que existe entre os indivíduos da platéia com o ator e o personagem até o fato de se ter pago vintão para entrar no teatro. É saudável que seja assim e é assim desde os gregos, quando até os médicos receitavam idas ao teatro. Grosso modo, na tragédia, o herói era um coitado para que nós não precisássemos ser e, na comédia, um estúpido para que nós não o fôssemos. Identificação, catarse, torcida e essas coisas todas.

E foi isso o que proporcionou o melhor momento da estréia de Selvagem Como o Vento, monólogo com Carolina Ferraz e direção de Denise Stoklos, apresentada na última sexta e sábado, no Teatro do Palácio Avenida. A certa altura a atriz, adoentada, precisou tossir justamente em um momento verborrágico do texto e, sem perder o ritmo da fala nem o espírito do momento, conseguiu explicar ao público que estava fragilizada e que precisou tomar uma injeção desse tamanho antes de entrar no palco, para o deleite dele, o público. Foi aplaudida em cena aberta por seu desprendimento e desenvoltura.

De resto, o que se viu em Carolina Ferraz foi uma mini-Denise Stoklos, uma réplica da diretora só que sem o mesmo poder. Stoklos, quando abre os braços no meio do palco, é como se suas mãos abarcassem a boca de cena. O mesmo não aconteceu com Carolina Ferraz. O seu gesto carecia de energia.

É preocupante a reprise de recursos de outros espetáculos de Stoklos. Por exemplo, a repetição de um gesto até transformá-lo em um novo gesto, um gesto estilizado, uma espécie de coreografia em que o movimento perde seus significados em termos funcionais e ganha novos em termos estéticos, como no espetáculo Casa, do começo da década de 90, e também em outras apresentações. No chamado Teatro Essencial, a palavra passa por processo de transformação similar. Quem esteve em Selvagem Como o Vento viu isso novamente, mas feito por Carolina Ferraz, instruída pela diretora.

Talvez Stoklos devesse procurar um outro caminho para sua pupila que não o que ela próprio trilhou. De outro modo parecerá que a diretora está a se repetir e a prejudicar o avanço da aprendiz no que diz respeito à originalidade e autonomia artística. A diretora corre o risco de, com isso, ela mesma, passar a se repetir.

Mas o grande problema do espetáculo é o esforço aparente da atriz. Não que ele não possa aparecer. Ele pode, desde que o ator queira. Mas Carolina Ferraz não tem controle sobre isso. Que se dê o devido desconto por ela estar com algum problema de saúde na sexta-feria, gripe talvez, em alguns momentos sua interpretação foi histérica. Era quase como se o espetáculo fosse uma demonstração de atletismo e como se as tais pistolas de água e as bolas de tênis pudessem ser acionadas a qualquer momento uma vez que o que a atriz fizesse no palco não tivesse o efeito desejado.

A arte não precisa se prender a essas coisas de causa e efeito. O ator deveria agir preso somente à necessidade do ato e não à da reação. A reação já não seria problema dele e, assim, as coisas correriam melhor, mais sinceras e serenas. O momento em que a atriz se viu apuros, precisou tossir e se safou foi tocante porque, naqueles segundos, ela foi espontânea e fez o que precisava fazer. Dane-se o resultado e a reação do público.

Talvez por ainda não dominar isso, numa das passagens que poderia ter sido a mais engraçada da peça, quando o personagem passa uma receita de arroz de pato, notava-se que Carolina fazia uma força enorme para agradar. Quem sabe se, pelo mesmo motivo, olhou algumas vezes para onde estava sentada a sua diretora, quem sabe até sem perceber que fazia isso. A cena agradou, talvez por que as pessoas ainda não tinham visto algum espetáculo em que Stoklos fez coisa semelhante ou porque acham graça em ver uma bela atriz global a fazer caretas e macaquices ou porque pagaram para estar ali e se divertir.

O texto tem muitos lugares-comuns. Há pouca sutileza, qualidade que se esperaria de artistas que pretendem contar uma história pela qual a maioria dos viventes já passou. Nesses casos, o que importa não é a história ou a situação sempre iguais vivida pelo personagem, mas como ela é contada. As histórias não têm obrigação de ser novas, mas sim a forma como elas são vistas e propagadas pelo artista, nesse caso a autora. Talvez ela devesse aprender algo sobre isso lendo o texto 500 Vozes, de Zeca Corrêa Leite. Uma parte do texto fala da ausência do outro depois de uma separação e, nela, Leite dá uma aula sobre como escrever a respeito do tema.

Em certo momento, a autora nos brinda com uma citação de O Pequeno Príncipe. Aquela que fala sobre cativar e ser responsável por uma pessoa. Abstenho-me de comentário sobre isso, mas a receita de arroz de pato parece apetitosa.

Em resumo, a coisa toda foi um sucesso, todos aplaudiram de pé no final, Denise jogou em casa, Carolina também, a torcida ou o público estava toda do lado delas e isso até é bom porque ninguém espera que qualquer pessoa estivesse ali para destruir o espetáculo. Todos que entram no teatro o fazem para se divertir, salvo o crítico sádico e infeliz a esfregar suas mãozinhas brancas, sebosas e de dedos magros. Bem, na verdade, isso parece uma psicopatia dos tempos modernos, visto que no tempo de Shakespeare as pessoas traziam as leguminosas de casa. Quer dizer, eram mais espontâneas no que dizia respeito à aprovação ou não daquilo que viam e não se deixavam impressionar por nome algum. Fosse esse nome Carolina Ferraz, Denise Stoklos ou William Shakespeare. Selvagem Como o Vento não é uma peça para se passar na quitanda antes do espetáculo, mas está longe, muito lonte, de merecer aplausos de pé.

Jornal O Estado do Paraná l6/03/2002



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