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28.2.02

Assunto: [forum_teatro] COLUNA DO XEXEO
Data: 27/02/2002 00:07:15 Hora padrão leste da Am. Sul
From: vivaldofranco
To: forum_teatro
O artigo abaixo foi escrito por mim em outubro de 2000. Enviei para este fórum e foi publicado em alguns tablóides alternativos na ocasião. Como agora o assunto volta à baila no artigo do global Xexeo, achei interessante reproduzi-lo mais uma vez para a discussão.

Abraços,

Vivaldo Franco.


COMO GANHAR DINHEIRO FAZENDO TEATRO (NO BRASIL)

Que o teatro está em crise e que não se ganha dinheiro fazendo teatro é o que todo aspirante ao palco aprende logo em sua primeira lição. Mas este quadro está mudando graças a uma fórmula mágica (ou será o jeitinho brasileiro?) surgida a partir da criação da Lei de Incentivo à Cultura - LEI ROUANET. Grosso modo a Lei funciona assim: o interessado em produzir um evento cultural, que pode ser um produtor, ator, companhia, etc. mas que aqui vou chamar genericamente de PRODUTOR, envia um projeto para o Ministério da Cultura pleiteando o enquadramento na Lei. O Ministério analisa e aprova ou não.

Aprovado o projeto, o PRODUTOR "corre" atrás do patrocinador. Conseguido o patrocínio, monta-se o espetáculo. (Vou me ater à área teatral que é o meu quintal) Ganham os dois lados: o primeiro porque garante trabalho a atores, técnicos, ceno-técnicos, artistas, artesãos e etc e ainda faz a festa dos donos de teatro; O segundo - o patrocinador - fica muitíssimo satisfeito porque tem seu nome ligado a um produto cultural de qualidade (nem sempre) e a um grande nome de repercussão nacional (leia-se televisivo, quase sempre) e mais satisfeito ainda porque o dinheiro "investido" na produção do espetáculo, além do marketing em torno do seu nome, voltará na forma de desconto sobre o imposto de renda devido por sua empresa. É um ótimo negócio.

Mas a Lei de Incentivo à Cultura produz distorções, ou melhor, possibilita distorções que em outro contexto poderia ser confundida - ou assemelhada - ao execrável tráfico de influências, acesso privilegiado de informações, etc. Vejamos um exemplo concreto e que aliás, foi o que me motivou a escrever este pequeno manifesto. Assistindo ao programa do Jô Soares no último dia 20/10/00, fiquei perplexo de como o consagrado ator José de Abreu descrevia sua aventura para conseguir patrocínio para a montagem da peça "A MULHER SEM PECADO" de Nelson Rodrigues. Perplexo fiquei não por desconhecer os bastidores da produção teatral que com os meus 22 anos de carreira tenho a pretensão de conhecer, mas por ter assistido, pela primeira vez, um relato tão claro, evidente e de forma tão cândida como foi relatado. Resumindo: o ator contava como quase não fora recebido pelo Dr. Pimenta da Veiga, Ministro das Comunicações do governo FH, pelo fato de ter sido confundido com um outro José de Abreu, este um político.

Enfim, desfeito o mau-entendido o ator foi muitíssimo bem recebido pelo Dr. Pimenta da Veiga que, ao saber do que se tratava, providenciou imediatamente uns contatos com os presidentes de algumas empresas públicas para que estas viabilizassem o patrocínio para o projeto. O resultado está aí: um excelente espetáculo patrocinado pela Caixa Econômica Federal, Eletrobrás, ECT(correios), Governo do Estado do Rio de Janeiro e Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Ufa! Palmas para o Dr. Pimenta da Veiga! Este, é claro, não é o único exemplo e se aqui foi citado é por ser, talvez, o mais recente.

Dando uma rápida olhada no Diário Oficial, especificamente na relação de projetos aprovados pelo Ministério da Cultura, fica-se imaginando quantos destes terão, digamos, a sorte de serem recebidos pelo Dr. Pimenta da Veiga ou por qualquer outro político influente. Na verdade, menos de 10% dos projetos aprovados nos últimos 10 anos chegaram efetivamente aos palcos. Motivo: falta de patrocínio. É claro que dentro deste universo existem também aqueles que conseguem patrocínio sem a "influência" de Brasília; Mas destes, 95% têm, ainda assim, um nome "global" encabeçando o elenco.

Um outro aspecto da aplicação da Lei e que me parece bastante ineficaz e nebuloso é em relação à contra-partida. Explico: já vimos que dois lados se beneficiam da Lei, o produtor e o patrocinador. Mas e o terceiro vértice deste triângulo, o público? Já ouvi algumas autoridades competentes dizendo que o público ganha a oportunidade de ver bons espetáculos (?), que a Lei possibilita que textos considerados "não-comerciais" possam ser montados (Hum.... você se lembra de algum?), que a Lei democratiza o acesso do público ao teatro (HUM...!!!) Mas que público é esse? O mesmo que já ia ao teatro antes da Lei e que pode pagar R$ 20,00, R$ 30,00, R$ 40,00, por um ingresso! É fácil comprovar. Houve um aumento significativo no número de espectadores de teatro desde que a Lei foi aprovada? Não, não houve. Já ouvi também outras autoridades competentes dizendo que ingressos mais baratos é uma decisão da produção do espetáculo, que o governo não pode intervir... Mas como? O dinheiro "doado" pelo patrocinador não vem da renúncia fiscal e é o mesmo dinheiro que (teoricamente) seria empregado, via imposto, na educação, saúde, saneamento (Oh, utopia!). Se é dinheiro de imposto, é dinheiro público! Tem que ter contra-partida sim! E qual é a contra-partida que nós temos?

Vejamos: há uns três ou quatro anos atrás a atriz Vera Fisher produziu a peça "GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE" de Tenneessee Williams, com patrocínio da EMBRATEL (empresa pública = dinheiro público), apresentada no Teatro Villa-Lobos (Teatro público mantido com dinheiro público) cobrando um ingresso no valor de quarenta reais!!! O ingresso mais caro de toda a temporada carioca e patrocinado integralmente com dinheiro público! Na época, fui informado pela diretora de teatros da FUNARJ (responsável pelo Teatro Villa Lobos) de que a contra-partida da produção vinha na forma de ingressos grátis para instituições de caridade embora, na ocasião, ela não tenha lembrado do nome de nenhumas destas instituições e nem o número exato de ingressos grátis que eram distribuídos.

Mas os exemplos são muitos. Novamente a peça "A MULHER SEM PECADO": patrocínio público, teatro público (Teatro Nelson Rodrigues, mantido pela Caixa Econômica Federal). Ingresso: R$20,00 !! Contra-partida? Promoção com ingressos populares (somente na primeira semana) a R$10,00. E desde quando dez reais é ingresso popular?! Outra: peça "QUEM TEM MEDO DE WIRGINIA WOOLF?". Patrocínio público (EMBRATEL), teatro público (João Caetano, FUNARJ). Ingresso: R$ 25,00 e R$ 30,00!!!! Os exemplos são muitos nos últimos 10 anos. Dezenas. Quiçá, centenas.

Deixo aqui uma sugestão: os diretores dos teatros públicos das Zonas Norte e Oste do Rio e também os da Baixada Fluminense adorariam oferecer temporadas (realmente) populares para suas comunidades... Devo avisar que não tenho medo da acusação de pieguice ou demagogia pois sou nascido e criado na Zona Oeste do Rio onde dediquei oito anos de teatro amador e pelo menos há quinze anos tenho apresentado todos os meus espetáculos em quase todos os bairros da periferia do Rio (e sem patrocínio!).

Enfim, a Lei está aí. (Muito) melhor com ela do que sem ela. O que proponho é uma ampla discussão de todos os setores envolvidos e que gire em torno de dois pontos básicos: o aperfeiçoamento da Lei de forma a torná-la mais eficaz, justa e democrática, corrigindo possíveis imperfeições e evitando distorções e uma auto avaliação da classe teatral carioca, em todos os sentidos: ético, profissional, de qualidade, de honestidade, de solidariedade, de profundo sentimento artístico que é o que realmente deveria nortear o trabalho de todo artista.

Sei que este assunto é um tabu dentro da própria classe teatral porque ninguém quer jogar pedra numa lei que foi feita para beneficiar a cultura, ainda mais quando existem interesses muito bem satisfeitos e acomodados com a atual situação. Sei também que é difícil abrir mão de privilégios... Mas isto não nos deve impedir de questionar e procurar transformar as coisas, mesmo ferindo suscetibilidades. Afinal, não é esta a grande meta de todo artista, a transformação? De minha parte, estou aberto ao diálogo e pronto para dar a minha contribuição.

Ah, sim. Já ia me esquecendo da fórmula para ganhar dinheiro com o teatro. Vamos lá: primeiro você tem que estudar muito, ler muito, tudo o que cair em suas mãos, ver muito teatro, principalmente bons espetáculos como os que eu citei aí em cima. Ensaiar muitas madrugadas; ter a sorte de, aí sim, fazer uma novelinha aqui outra lá e aos poucos você vai se tornando bem conhecido... então, depois de 30 anos de ralação....(...) Bom, seja qual for o caminho que você escolher, você tem que se tornar famoso, muito famoso. Depois é fácil! Basta um vôo para Brasília e um encontro com um político influente, às vezes, alguns telefonemas bastam, e o patrocínio está garantido. O teatro é mais fácil ainda (tem de ser público, FUNARJ, FUNARTE ou os da prefeitura, porque sobra mais dinheiro, não se esqueça!). Político carioca é bem provinciano e se baba todo quando fala com artista famoso. Conseguido o patrocínio e o teatro você está pronto para ganhar dinheiro, muito dinheiro! Boa sorte!

Vivaldo Franco - Ator, Diretor e Produtor de Teatro
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FORUM VIRTUAL DE TEATRO BRASILEIRO
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PS. Em outubro do ano passado, quando foi escrito este texto, estava em cartaz no Teatro Museu da República, a peça O PRÊÇO de OSCAR WILDE, com direção e produção do autor.






Um comentário:

Anônimo disse...

a fórmula é perfeita. parabéns. pena eu ter demorado tanto para descobrí-la.