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4.3.03

Pocotó, Lacraia e MCSerginho

Eguinha Pocotó é muito mais do que uma musiquinha sucesso do momento, ela é o retrato do nosso Pais, ela é a nossa cara, com todos os nossos problemas politico-socio-culturais-educacionais. Desculpem a obviedade, mas é isso aí. A gente fala muito do óbvio, mas não pensa o óbvio -- ululante, como diria o nosso Shakespeare, o genial Nelson Rodrigues. Para o gôsto elitista, pequeno-burguês, o sucesso de músicas como essa, é ver o triunfo da vulgaridade, da
mediocridade, da imoralidade, etc. e tal. e todos esses parâmetros da nossa moral pequeno-burguêsa, acomodada e preconceituosa. Serginho, Lacraia, Pocotó mexeram com todos esses valores.

Agora, Pocotó, MCSerginho e Lacraia, vistos sob outra ótica, com um outro olhar, um olhar despojado de preconceitos e voltado para a compreensão e o entendimento, e com muito mais atenção para essa outra realidade, procurando ver além disso, como o estudante João Pequeno Bandeira de Mello falou aqui com muita propriedade, quando disse que não foi o Gugu e nem Faustão que deram o sucesso para eles. Eles batalharam essa conquista. Foi batalhada, conquistada palmo a palmo. Vi na internet, uma entrevista do Serginho e Lacraia no bate-papo do Uol, onde ele conta isso. Foi frentista, DJ, sendo que nessa última função foi onde tudo começou, "quando o baile tava fraco a Lacraia começava a dançar". Daí à composição foi um passo.

Conta também que sempre fizeram sucesso com o povão e as crianças - sempre elas, os nossos mestres, sem preconceito. Nessa entrevista, ele fala com muita honestidade o seu relacionamento-casamento com o Lacraia, há doze anos, e os preconceitos que ambos enfrentaram antes do sucesso. Só pelo fato de ter sempre assumido esse relacionamento, já é merecedor de todo o nosso respeito.

Não vejo televisão, por opção e algumas vezes por falta de tempo ( trabalho e estudo). Não vi esses programas, e nem ouvi no rádio, mas tenho acompanhado o ti-ti-ti em tôrno. Agora, depois do que a goiana Auri falou aqui, eu também tenho sangue mestiço, não posso ouvir nenhuma batida que já saio balançando o esqueleto, vou dar um jeito de ouvir logo.

Quanto a letra da eguinha Pocotó eu acho um primor de afetuosidade, carinho e delicadeza, quando manda beijinhos para a filhinha e a vovó. Adorei. Na entrevista ele fala que Pocotó foi feita para a sua filha, a Carol. A Carol, parece-me que é cuidada pela avó. Ele era casado, separou-se, e um tempo depois conheceu o Lacraia, na quadra do Salgueiro, aqui no Rio de Janeiro

Entre os valores abordados, vale ressaltar o companheirismo, sem discriminação de sexo ou classe social, quando canta que o cavalinho e o jumento levam a eguinha para passear. Vale mencionar que não foi esquecido aqui o amiguinho jumento (também chamado de burro) de outra classe social. Na hierarquia social equina, o jumento é considerado de baixa classe social. Além disso, a delicadeza, o carinho e o cuidado com a amiga, a eguinha Pocotó, levada junto com eles, para passear. Os quadrupinhos, têm um comportamento digno de elogios, e quantos bípedes pensantes mereceriam ser elogiados por um comportamento semelhante

Por outro lado, ele merece o respeito pela conquista do sucesso, nada fácil. Ralaram muito antes disso. Jornada essa duplamente díficil, considerando-se o seu assumido homosexualismo. Sou também atriz, bacharel em artescênicas, pela UFRGS, e vim para o Rio fazer teatro, e enveredei por outros caminhos por questões de sobrevivência. Portanto, eu sei muito bem o que significa ser artista, ou ter aspirações a tal nesse nosso País.

Quanto ao primarismo, etc. etal apontado nas letras, queriam o quê de um cara semi-alfabeto, sem nenhuma instrução ou qualquer tipo de orientação educacional ou cultural. Para quem não teve orientação, além do funk e dos bailes funks que ele adora, o seu gôsto é bastante eclético. Gosta de pagode, música sertaneja e música clássica. E declaro aqui que espero anciosamente as outras músicas da dupla para o próximo CD: " Cavalo da pata quebrada " - a resposta do cachorrinho, e " Cafetão de Puta Pobre ".

Finalisando eu quero dizer que nessa diversidade cultural de várias procedências e muitas tendências, tenho o maior orgulho e o prazer de constatar nesse cenário artístico-musical brasileiro, o grupo originário do município de Arco Verde - porta de entrada do sertão pernambucano, o Cordel de Fogo Encantado. Como muito bem disse o João P. Bandeira de Mello é inesquecível, principalmente quando o jovem vocalista e pandeirista do grupo, o Leirinha recita lindamente os versos de cordel nordestino. Lindo demais. Para complementar a a lista de músicos e compositores, postada aqui pela goiana Auri, o João, o Talis, Cyntia Cruz, Fabio de Mello e Marcos Farias, citarei os da antiga, Ismael Silva, Vadico, Assis Valente, Geraldo Perreira, Sinhô; da moderna geração Chico Science, Zeca Baleiro, entre outros; o cearense Fagner, os mineiros Wagner Tiso e o grupo instrumental Uakti; os gaúchos Ney Lisboa, Victor Ramil e Lupiscinio Rodrigues; os paulistas Adoniran Barbosa e Renato Teixeira; o baiano avô do rock nacional, o Raul Seixas e os geniais curitibanos, vanguarda da vanguarda, o "nêgo dito" Itamar Assumpção e o "tubarão" Arrigo Barnabé.
E para finalizar deixo aqui esse verso - o meu preferido - do poeta Octávio Paz:

Me olho no que vejo / como entrar por meus olhos / com um olhar mais puro / é todo o meu desejo.

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