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5.4.03

O escritor gaúcho, precursor mundial do teatro do absurdo

QORPO-SANTO, como se auto-denominou José Joaquim de Campos Leão (1829/1883), o genial autor gaúcho que viveu em Alegrete, onde foi vereador e delegado de polícia, e depois em Porto Alegre, no século dezenove, o verdadeiro criador do teatro do absurdo, o precursor do gênero nonsense, cem anos antes do movimento vanguardista europeu disseminado pelo mundo através dos europeus Alfred Jarry, Ionesco, Beckett , considerados até então, os precursores desse movimento.
Na conservadora sociedade gaúcha no início do século dezenove, não é difícil imaginar a estranheza e o escandalo que foi o surgimento desse audacioso autor, detonando todas numa sem cerimonia impressionante, e uma modernidade assustadora para a época. Para citar apenas uma das minhas preferidas, A separação de dois esposos, comédia em três artos, abordando a separação de um casal através de um pacto de morte, morrem abraçados, ambos recitando o mesmo texto:
-- Já que a Terra nos foi ingrata, procuraremos a felicidade no Céu!
E os nomes dos personagens são hilariantes, Esculápio o marido, Farmácia, a esposa, e o namorado da esposa, o Fidélis; as filhas do casal Plinia, Lidia e Idalina; mais dois personagens o Invidividuo e Certo Individuo. E a suprema audácia coloca dois criados da casa, o
Tatu e o Tamanduá, como dois homens casados, fato revelado ao final da peça, em um dialogo louquíssimo desses dois personagens. Com o divorcio e a separação de Tatu e Tamanduá acaba a comédia "A separação dos dois esposos".

José Joaquim de Campos Leão Qorpo Santo, (*Triunfo, 1829 +Porto Alegre 1883) agitou todas. Ativíssimo, foi vereador, delegado de polícia, comerciante, professor e dono de colégio, escritor e dono do periodico A Justiça, onde expôs todas as suas mágoas e feridas. Ninguém mexe com o poder impunemente, e aos trinta e cinco anos no apogeu de sua carreira, foi considerado louco, internado e interditado judicialmente. Recorre e consegue ser mandado para aqui, no Rio de Janeiro, para um novo exame de sanidade na Casa de Saúde Dr. Eiras. Ganha mais essa parada, sendo declarado apto para gozar do seu livre arbitrio.
Com o salvo conduto, retorna a Porto Alegre, à sua familia e a retomadas dos seus bens.
Um mês depois, um juiz de PortoAlegre cismou de pedir um novo exame e dessa vez é reprovado, declarado inapto para gerir sua pessoa e seus bens, tendo de obedecer a imposições do curador, privado do convívio familiar, Qorpo Santo dedica toda a sua energia às atividades literárias. Aos cincoenta teve a sua doença agravada -- tuberculose pulmonar, e morre aos cincoenta anos.

Nem depois de morto, Qorpo-Santo foi poupado. Falavam dele como um mito, um doido que havia escrito poesias de doido. A verdade é que ninguém se ocupou, a sério, de suas peças. Com o Movimento Modernista ele voltou á tona, servindo aos contrários à Semana de Arte Moderna, e nada melhor para esses trevosos, do que transcrever alguns maus versos de QorpoSanto para compará-los aos de Oswald e Mário de Andrade, também considerados malucos como ele.
Depois disso, sumiram das bibliotecas e arquivos do Estado do Rio Grande do Sul e do País, todos os textos da autoria de Qorpo Santo. Essa foi a constatação do Professor Guilhermino Cesar quando escreveu A historia da literatura do Rio Grande do Sul em 1956. Alguns anos depois, o Professor Guilhermino encontrou o pesquisador e professor Anibal Damasceno que vai clarear a busca, fornecendo novas e importantes pistas de Qorpo Santo, até chegar à publicação e divulgação das obras completas do teatro de Qorpo-Santo.

A primeira montagem de Qorpo Santo, no mundo, foi realizada por alunos formados Instituto de Arte Dramática da UFRGS, três peças Matheus e Matheusa, Hoje sou um: e amanhã outro e Relações Naturais , dirigidas por Antonio Carlos Sena. Esse espetáculo veio ao Rio, em 1968 para participar do V Festival Nacional de Teatro de Estudantes, realizado pelo Paschoal Carlos Magno. Uma atriz gaúcha morando no Rio, agitou uma apresentação extra festival para convidados especiais. Num pequeno teatro, á meia noite, em precaríssimas condições técnicas, o espetáculo foi um sucesso. Televisões, radios, jornais deram a maior cobertura a um dos mais importante acontecimentos artísticos da década.
Vale a pena citar aqui alguns trechos do comentário de Yan Michalski, (saudosa memória) do Jornal do Brasil:
A julgar pela mostra apresentada, a descoberta de Qorpo Santo é um acontecimento de notável importância, que, não só torna parcialmente obsoletos todos os livros de hitoria da dramaturgia brasileira, que não mencionam a sua obra, como também transcende as fronteiras do Brasil e merece ser estudado dentro de um contexto internacional: o autor gaúcho é, muito provàvelmente, o primeiro precursor mundial do teatro do absurdo, uma vez que algumas décadas antes de Alfrfed Jarry ele colocava em prática idéias de antiteatro baseado no mais violento nonsense, algumas das quais dignas de fazer inveja ao próprio Ionesco e aos seus seguidores.

A precocidade, o modernismo, a ousadia de Qorpo Santo são verdadeiramente fenomenais, se considerarmos a época em que ele escrevia as suas peças e o ambiente em que vivia. Seria errado, considerá-loi apenas sob esse ponto de vista. O mais importante é a quaçidade intrínseca de suas peças, o seu espantoso instinto cênico, a sua fantástica imaginação, e a lucidez com a qual, dentro do mais delirante clima de aparente loucura, ele desfecha impedosos golpes contra alguns dos aspectos mais rançosos do seu meio ambiente. Digno de nota é também a eficiência do seu humor. Qorpo Santo mantém a platéia num quase permanente estado de hilaridade, que não exclui, bem entendido, uma reflexão crítica, nem impede que de vez em quando um misteriosos vento de trágica ameaça sopre na platéia, e nos faça pensar em Beckett e Pinter
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6 comentários:

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

Que ele seja SEMPRE e PARA SEMPRE lembrado.
Você já leu "Cães da Província" do gaúcho Luis Antonio de Assis Brasil? Acho que ia gostar.
Obrigada por ter falado dele.
Sempre que ouço falar dele assumo ares de viuva...rsrsrsrsrsrs
BJS!

Luiz Alberto disse...

Lindo e profundo texto, Ruth. Fico-lhe agradecido por me dar o prazer de lê-lo.

Ruth Mezeck disse...

Muito grata Luiz Alberto Sanz pelo seu interesse nessa leitura.

Ruth Mezeck disse...

Cristhina, esse eu não li. Ficou em pauta para leitura, mas ainda nem comprei. Grata pela lembrança. Bjos.

Ruth Mezeck disse...

Onde se lê: uma atriz gaúcha morando no Rio, (leia-se esta blogueira que à época era integrante de um grupo teatral que alugara o Teatro Carioca na Rua Senador Vergueiro, já demolido) agitou uma apresentação extra festival para convidados especiais. Num pequeno teatro, á meia noite, em precaríssimas condições técnicas, o espetáculo foi um sucesso. Televisões, radios, jornais deram a maior cobertura a um dos mais importante acontecimentos artísticos da década.

jotaesse disse...

Parabens, Ruthinha, pela inspiração e sensibilidade do teu texto, e obrigado pela excelente aula de cultura que nos proporcionastes...saudade...